segunda-feira, 29 de maio de 2017

SINHUCA E O MELIANTE DA MADRE-DEUS




Dino de Alcântara

Numa crônica escrita na década de 1870 e publicada no jornal O País, Celso Magalhães chamava atenção das autoridades públicas do Maranhão para um problema sanitário que tornava a outrora Atenas Brasileira uma cidade fétida. Não bastasse a quantidade de dejetos oriundos do intestino dos ricos e dos pobres da cidade lançada na foz do Rio Bacanga, as ruas estavam cheias de fezes, tanto jumentos, cavalos, bois, cabras, porcos, etc., como de gente. Isso mesmo: de gente. Havia uma assombrosa quantidade de pessoas que despachavam em qualquer lugar, não se importando se, depois, passaria uma madame por ali, examinando toda aquela obra do intestino humano. O cenário era horrendo. Alguns ainda se davam ao trabalho de colocar uma boa dose de areia ou terra por cima. Outros largavam assim mesmo, ao tempo, para que as moscas viessem cumprir sua missão.
Oitenta anos depois, já no governo de Matos Carvalho, na década de 1950, São Luís ainda esperava uma política sanitária que desse à Ilha do Amor um aspecto melhor, mais higiênico, mais saudável. Os antigos bondes puxados por asnos deram lugar a bondes elétricos, inaugurados ainda no governo de Godofredo Viana, nos idos de 1924, mas a fedentina parecia não ter fim.
Foi nesse cenário que o guarda Sinhuca tomou para si uma missão: punir com rigor quem transformasse a bela cidade numa sentina. Não havia uma lei para punir malfeitores da cidade, mas poderia ser aplicada a lei da vadiagem.
Naquele tarde de sol forte, a brisa da tardinha até trouxe um alívio para os pedestres da Madre-Deus, bairro antigo da cidade.
Sinhuca saiu da Praia Grande em direção à sua casa, um pouco abaixo do antigo cemitério da cidade, o Gavião. Subiu o Beco da Pacotilha, entrou na Rua Grande e passou à Rua São Pantaleão, perto de uma loja de tecidos. Cruzou a porta de Dona Dolores, próximo da Igreja que leva o nome da rua. Caminhou mais um pouco e avistou um homem que demonstrava andar de forma estranha. Fincou os olhos nas pernas e notou que ele contraía as duas pernas, como a fechá-las. Percebeu que o meliante estava atrás de um lugar ermo para lançar seus excrementos. Passou a segui-lo com cuidado. O homem foi em direção ao Cemitério. Quando percebeu que ninguém o examinava, afrouxou o cinto da calça, agachou-se com cuidado e desobrigou o ventre como se estivesse com uma constipação de pelo menos uma semana. Feito o serviço, o homem tirou um resto de jornal velho que trazia no bolso e fez a higiene. Levantou-se e foi tranquilamente em seu rumo. Nesse instante, com autoridade de coronel, Sinuca deu voz de prisão para o meliante, fazendo-o crer que havia cometido um delito grave. Seria levado para a cadeia pública em Alcântara. Mas como o pobre homem implorasse, dizendo que tinha mulher e filhos, etc., a autoridade comutou a pena de prisão para trabalho comunitário. Ordenou que o “emporcalhão” limpasse tudo. Foram os dois até um terreno próximo. Cortaram uma folha de bananeira e, com ela, o meliante fez todo um trabalho de limpeza, deixando a rua como estava. Feito o serviço, Sinhuca mandou que o homem fosse jogar no mar. Felizmente estava meia maré de vazante, não precisavam andar tanto. Desceram rua em direção à Fábrica Cânhamo, ganharam a prainha. A autoridade caminhava a “barlavento”, para não “sentir a catinga”. Um pescador quis saber o que era. Mas Sinhuca desconversou. Foram até a beira d’água. O homem lançou a obra perto de um bando de tralhotos. Lavou bem as mãos. Pediu um cigarro, mas foi negado. O Guarda deu ordem para o homem ir direto para casa. Temendo uma mudança na pena, ele correu para a Praça do Cemitério, subindo a ladeira da Madre-Deus como se fosse um jumento atrás de uma jumenta no cio. Sinhuca subiu devagar a ladeira, certo de que cumprira, nessa tarde, a missão para a qual tinha sido nomeado.  

Um comentário: