quarta-feira, 10 de maio de 2017

PAIACO E VISAGEM NA ENCRUZILHADA



 Dino de Alcântara
 
Qualquer que seja a encruzilhada, perto ou longe das casas, sempre será vista como um lugar misterioso. Em Édipo Rei, de Sófocles, foi num lugar desse tipo que o príncipe matou o próprio pai, Laios, cumprindo a velha maldição do rei da Élida. Em Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa, o suposto pacto entre Riobaldo e o Demônio foi feito num entroncamento.
Embora Raimundo Paiaco não fosse leitor nem do tragediógrafo grego nem do revolucionário da Geração de 45 do Modernismo Brasileiro, tinha lá suas impressões acerca do cruzamento de caminhos. Para ele, era lá que ficavam as visagens, sobretudo nas noites escuras, em que a lua não alumia o céu escuro.
Numa noite, de escuridão total, munido de um farol de morrão grosso, vindo de uma boa e longa conversa na casa do compadre Mariano, nosso personagem se lembrou de vários defuntos, justamente quando foi se aproximando da misteriosa encruzilhada do oitizeiro. Um friozinho percorreu-lhe a espinha. Imaginou tratar-se de um vento gelado vindo do porto. Mas, à medida que foi se chegando mais próximo de um tuncunzeiro, ouviu uma voz (longe). Imaginou que era um bicho. Uma raposa ou um quati. Quando cruzou o nó do caminho, um sopro forte apagou-lhe o farol. Novo arrepio nas costas. Pegou a caixa de fósforos e acendeu novamente o morrão. Deu dois passos, e novo sopro. O medo começou a percorrer os seus neurônios. O batimento cardíaco acelerou. Uma leve tontura veio à cabeça. Tentou pegar novamente um palito de fósforo, mas não a encontrou. Impressionante! Porque havia acabado de acender um palito. Enfim estava na própria mão esquerda. Acendeu. A luz raiou novamente. Deu mais uns três ou quatro passos, e um sopro, como se fosse de gente, apagou a chama, deixando o caminho numa escuridão feia. Uma risada veio atordoar o seu espírito. Nessa hora, Paiaco não conseguiu mais pensar em nada, só em fugir, correndo como um porco-do-mato no Apicum da Ilha Grande. Uma sensação estranha o acompanhou até chegar em casa. Era como se estivesse sendo seguido por alguém.
Nunca mais Paiaco cruzou esse caminho sem antes fazer o pelo sinal.

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