Dino de Alcântara
Numa crônica escrita na década de 1870 e publicada
no jornal O País, Celso Magalhães chamava
atenção das autoridades públicas do Maranhão para um problema sanitário que
tornava a outrora Atenas Brasileira uma cidade fétida. Não bastasse a
quantidade de dejetos oriundos do intestino dos ricos e dos pobres da cidade
lançada na foz do Rio Bacanga, as ruas estavam cheias de fezes, tanto jumentos,
cavalos, bois, cabras, porcos, etc., como de gente. Isso mesmo: de gente. Havia
uma assombrosa quantidade de pessoas que despachavam em qualquer lugar, não se
importando se, depois, passaria uma madame por ali, examinando toda aquela obra
do intestino humano. O cenário era horrendo. Alguns ainda se davam ao trabalho
de colocar uma boa dose de areia ou terra por cima. Outros largavam assim
mesmo, ao tempo, para que as moscas viessem cumprir sua missão.
Oitenta anos depois, já no governo de Matos Carvalho,
na década de 1950, São Luís ainda esperava uma política sanitária que desse à Ilha
do Amor um aspecto melhor, mais higiênico, mais saudável. Os antigos bondes
puxados por asnos deram lugar a bondes elétricos, inaugurados ainda no governo
de Godofredo Viana, nos idos de 1924, mas a fedentina parecia não ter fim.
Foi nesse cenário que o guarda Sinhuca tomou para
si uma missão: punir com rigor quem transformasse a bela cidade numa sentina. Não
havia uma lei para punir malfeitores da cidade, mas poderia ser aplicada a lei
da vadiagem.
Naquele tarde de sol forte, a brisa da tardinha
até trouxe um alívio para os pedestres da Madre-Deus, bairro antigo da cidade.
Sinhuca saiu da Praia Grande em direção à sua
casa, um pouco abaixo do antigo cemitério da cidade, o Gavião. Subiu o Beco da
Pacotilha, entrou na Rua Grande e passou à Rua São Pantaleão, perto de uma loja
de tecidos. Cruzou a porta de Dona Dolores, próximo da Igreja que leva o nome
da rua. Caminhou mais um pouco e avistou um homem que demonstrava andar de
forma estranha. Fincou os olhos nas pernas e notou que ele contraía as duas
pernas, como a fechá-las. Percebeu que o meliante estava atrás de um lugar ermo
para lançar seus excrementos. Passou a segui-lo com cuidado. O homem foi em
direção ao Cemitério. Quando percebeu que ninguém o examinava, afrouxou o cinto
da calça, agachou-se com cuidado e desobrigou o ventre como se estivesse com
uma constipação de pelo menos uma semana. Feito o serviço, o homem tirou um
resto de jornal velho que trazia no bolso e fez a higiene. Levantou-se e foi
tranquilamente em seu rumo. Nesse instante, com autoridade de coronel, Sinuca
deu voz de prisão para o meliante, fazendo-o crer que havia cometido um delito
grave. Seria levado para a cadeia pública em Alcântara. Mas como o pobre homem
implorasse, dizendo que tinha mulher e filhos, etc., a autoridade comutou a
pena de prisão para trabalho comunitário. Ordenou que o “emporcalhão” limpasse
tudo. Foram os dois até um terreno próximo. Cortaram uma folha de bananeira e,
com ela, o meliante fez todo um trabalho de limpeza, deixando a rua como
estava. Feito o serviço, Sinhuca mandou que o homem fosse jogar no mar.
Felizmente estava meia maré de vazante, não precisavam andar tanto. Desceram rua
em direção à Fábrica Cânhamo, ganharam a prainha. A autoridade caminhava a “barlavento”,
para não “sentir a catinga”. Um pescador quis saber o que era. Mas Sinhuca
desconversou. Foram até a beira d’água. O homem lançou a obra perto de um bando
de tralhotos. Lavou bem as mãos. Pediu um cigarro, mas foi negado. O Guarda deu
ordem para o homem ir direto para casa. Temendo uma mudança na pena, ele correu
para a Praça do Cemitério, subindo a ladeira da Madre-Deus como se fosse um
jumento atrás de uma jumenta no cio. Sinhuca subiu devagar a ladeira, certo de
que cumprira, nessa tarde, a missão para a qual tinha sido nomeado.
Kkkkk. Os contos do velho sinhuca sao muito bons.
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