domingo, 14 de maio de 2017

CHICO E O CURUPIRA



 Dino de Alcântara

Em meados dos anos 40 do Século XX, havia depois a campina a casa de João da Cruz, homem já na casa dos sessenta, mas ainda bem disposto para o serviço. Sua casa, pequena, tinha um dos quintais mais singulares do Cujupe: o capim verdejante no inverno e nos dias de lua cheia a maré vindo do Guariba.
Chico, numa noite de abril, foi até a casa do morador e com ele proseou um bom tempo, tomando uma boa xicara de café, enquanto o anfitrião trançava um cofo de alqueire.
A lua já marcava oito horas, quando o morador do Itapeua resolveu atravessar a campina em direção à ladeira grande. Chegando ao começo da subida, bastante íngreme e escorregadia, devido às chuvas da tarde, algo o impede de subir. A princípio, imaginou tratar-se de uma tontura ou canseira. Mas logo percebeu que era algo fora do seu corpo. Voltou dois passos e acelerou o pé para frente, mas, no mesmo ponto, esbarrou numa cerca invisível. Tentou gritar, mas a língua ficou presa no céu da boca. Não conseguiu senão produzir um grunhido. As pernas ficaram bambas, dormentes, um calafrio percorreu o corpo todo. Um zunido no ouvido direito. Logo em seguida, veio a impressão de ter ouvido uma risadinha perto de um marajazeiro. Mas uma vez tentou gritar, em vão. Não saía nada de som. Pela terceira vez, tentou avançar. Nada. Uma força o impedia de seguir. Olhou para trás. O clarão da campina. Um uivo forte cortou aquela mata fechada. Um vulto de um homenzinho saiu correndo de um lado para outro. “Curupira!” Arregalou os olhos. Virou novamente e viu a claridade. Numa fração de segundos, saiu em disparada rumo à casa do João da Cruz. Chegou trôpego, sem “um farelo de ar”. Minutos depois, Chico, armado até os dentes, voltava disposto a quebrar o lombo dos curupiras. Trazia uma faca, um cacete de urucurana e uma lamparina. Ao adentrar a mata que formava a subida da ladeira do Itapeua, preparou o cacete para meter nas costas dos safados, mas um misto de decepção e derrota afloraram no seu semblante. Não havia ninguém por ali. Ainda gritou: “Se forem machos, venham pro caminho!”, mas só uma coruja, no alto da mangueira xarope, parece que ouviu esse desafio. Chegou ao topo sem esbarrar em nada. Um cachorro de Mariano latiu alto, mas foi logo reprovado pelo homem. Nessa noite, um curupira safado pulou no Chico várias vezes, num pesadelo que ele teve pelas três horas da madrugada.

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