quinta-feira, 4 de maio de 2017

O SOGRO SEM-VERGONHA



Dino de Alcântara

 

 
 
Dizem os moradores do Cujupe que quem tem vergonha não envergonha o outro. Essa máxima, ou anexim, segundo Arthur Azevedo, rege os ditames de relacionamento entre os mais velhos, deixando livres os mais moços, uma vez que nenhuma regra comportamental consegue reger os arroubos da juventude.
Depois de uma longa visita em nossas casas, segundo os ditames, precisamos registrar um “está cedo!”, para dar a impressão ao hóspede que a sua presença é essencial, mesmo que um bocejo insinue o contrário.
Entretanto essas regras do bom comportamento foram completamente deixadas de lado no almoço de aniversário da Branquinha. O pai e o genro, não muito afinados, desde o dia em que Pedro Brasa se engraçou da única filha de Chico Couro Grosso, sentaram-se cada um numa cabeceira da mesa, posta no imenso quintal debaixo de uma mangueira rosa e uma jaqueira.
Chico Couro Grosso preparou-se à sua maneira para esse almoço. Disse na véspera para Labicho que ia mais por causa da filha. Não podia faltar, que pelo pilantra não ia coisa nenhuma.
Durante o almoço, o pai (ou sogro), sentado como um abade, só mandando arriar o pato e o porco assado, mais arroz, macarrão, feijão, purê de macaxeira, farinha d’água, salada, etc., ria alto, como se estivesse não na casa do “pilantra”, mas na casa apenas da filha.
Já passava de uma da tarde, quando Pedro Brasa, já satisfeito, porque abusou do suco de cajazinho e do refrigerante, percebeu que a comida ia aos poucos se esvaindo da mesa. Sem atentar para o fato de estar sendo grosseiro com os convidados e, sobretudo, com o sogro, levantou-se e fuzilou, bem seguro do que ia dizer:
– Estou satisfeito! Eu e minha mulher. E assim fará quem vergonha tiver!
Chico Couro Grosso, ouvindo esse disparo verbal, que quase o fulmina, parou com a colher de arroz e um bom pedaço de pato bem próximo da boca, olhou para o genro e vociferou:
E como eu nunca tive e nunca hei de ter, daqui só saio depois que a barriga encher!
E encheu a boca com a imensa colher!

Um comentário: