Dino de Alcântara
Desde que Adão e Eva foram expulsos do Éden,
depois de descobrirem o poder do pecado, o homem conhece as duas maiores forças
do universo: a dor e a morte. Sem elas, o mundo seria uma incógnita. Humberto de
Campos, no seu livro de O Monstro e
outros Contos, narra a criação do
homem feita não por mãos divinas, mas por essas duas criaturas que se
arrastavam unidas às margens do histórico Eufrates. Diante delas, o homem – recém-criado
– parecia munido de todo o poder do universo, já que, com a morte por perto,
não há quem fique imune a dor.
Sobre isso, conta-nos o viajante alemão Hans Staden,
que ficou prisioneiro dos índios do litoral de São Paulo, durante nove meses na
década de 50 do século XVI, que, mesmo para os índios, tão acostumados à morte,
a passagem para o mundo dos espíritos era sempre acompanhada de muito choro,
quase sempre das mulheres.
Ao longo dos séculos, mesmo com a evolução do
poder da fé, o homem pouco mudou diante da morte: as lágrimas e o sofrimento
marcam a vida dos que ficam em face da grande viagem do ente querido.
Porém essa regra tem suas exceções. No Cujupe, já
do século XXI, Opídio deu uma prova inconteste da racionalidade (ou talvez uma
outra palavra que valha) quando se viu diante da morte do pai. Todos estavam
reunidos, filhos, noras e netos, quando o velho patriarca sofreu um abalo cardíaco
tão forte, que imaginou ter chegado a sua hora. Com a mão direita sobre o
coração, deu a impressão de que a situação era delicada. Foi levado às pressas
para a cama com receio do veredito da inimiga maior da vida. Meia hora depois, Opídio,
que assistira a tudo paralisado, viu quando entrou às pressas a agente de saúde
do povoado para aferir a pressão e ver o que podia ser feito para salvar o patriarca.
Mas nada expressou, apenas aguardou a situação. Como a medição da pressão
acabou sendo demorada, Opídio foi até a geladeira e de lá retirou a mais desejada
de todas as latas de cerveja, esbranquiçada pela baixa temperatura. Entretanto não
abriu. Deteve-se para esperar o desfecho. Talvez o velho já saísse do quarto
andando, rindo, contando histórias. Mas o que viu foi os irmãos saírem desolados.
A agente de saúde cabisbaixa, triste, parecendo que ia anunciar a tragédia:
– Olha, o pai de vocês está morrendo. Vão lá tomar
a última benção. Ele está se despedindo, dando o último suspiro.
Opídio, paralisado diante da eminente tragédia,
tomou uma atitude brusca: abriu a latinha de cerveja e, sem que a tirasse da
boca, em longos goles, tomou todo o líquido diante do espanto de todos. Ao
terminar, já com o recipiente seco, ficou mais uma vez paralisado. Só foi despertar da letargia, quando Caju saiu
do quarto, gritando a todos que o velho estava melhorando, até falando já.
Quem passasse pelo caminho do porto, nesse
instante, ouviria uma risada capaz de espantar curupira no Marindiua. Era
Opídio extravasando sua alegria.
Esse conto tá maravilhoso. Viajei no tempo. Ainda ecoa em meus afinados ouvidos o estampido da abertura da lata de Kaiser.
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