segunda-feira, 1 de maio de 2017

ANJO BOCA-PELADA, O HOMEM-TUBARÃO



 Dino de Alcântara

Não há terra no Brasil mais inclinada à criação de lendas, incluindo histórias de assombração, que o nosso Maranhão, apelidado pelo Padre Antônio Vieira de Grande Mentira. Os detratores do jesuíta podem argumentar que, nesta terra, os homens são trabalhadores honestos, e apenas os políticos podem ter a referida alcunha de mentiroso. Sim, mas basta consultar a memória dos habitantes deste rincão que já passaram dos oitenta anos para saborear as mais incríveis histórias fantásticas sobre figuras da terra. Uma delas atende pelo estranho nome de Anjo Boca-Pelada.
Anjo Boca-Pelada (ninguém conseguiu comprovar o nome verdadeiro, pela ausência de um documento, nem ao menos o batistério) era de estatura normal para o homem da terra, um metro e meio de altura. Meio gordo, sorriso fácil nos lábios. Essa criatura, com uma casinha pequena entre a Chã e a Sirimonha, quieta na quitanda de Barbino, era um demônio no mar. A explicação era simples: virava tubarão. Não um cação pequeno, daqueles que o Brola pegava no Fundão, mas peixe grande.
Um dia, estando o barco de Verdiano carregado de pindoba, coco babaçu, porco e galinha, pronto para sair do Porto do Cujupe rumo a São Luís, apareceu em cima da hora o Boca-Pelada, querendo uma passagem para a cidade. Porém o mestre Verdiano recusou, dizendo que a canoa estava muito cheia, com outros passageiros. Diante da recusa, o homem subiu a ladeira do porto em direção à mangueira do povo. Por lá tomou uma dose de cachaça e saiu pra Chã.
Horas depois, o barco de Verdiano galeava do Itaúna para fora, com rajadas de vento, levando a escota (cabo que segura a vela) a quase se partir. O mestre vez ou outra folgava um pouco a escota ou orçava o leme.
Ao cruzar o canal da Correnteza Grande, sentiu o mestre uma força gigantesca segurando a canoa, de modo que pareceu a boca de um peixe grande mordendo o leme. Tentou em vão duas ou três vezes governar o barco, mas a força com que o seguravam impedia.
Nesse instante, lembrou-se do Anjo Boca-Pelada. E Gritou:
– Compadre, largue isso, siô.
Quem era manteve-se imóvel. Verdiano ameaçou:
– Compadre, se o senhor rebentar esse leme, eu lhe mato, só a facada!
Nesse momento, o Joia de São Benedito deslizou solto nas águas da Baía de São Marcos. Horas depois, estavam baixando o pano e o estais próximo à Rampa do Palácio. E algo assustador tomou a vista de todos os que estavam na canoa, passageiros, marinheiros e o mestre Verdiano: sentado na muralha que circunda a Avenida Beira-Mar, tomando um copo de mingau de milho, comprado de uma senhora gorda que tinha uma banquinha naquele lugar, estava Anjo Boca-Pelada. Quando viu o Joia de São Benedito, gritou:
– Compadre, com um vento desses, agora que estão chegando? Até parece que alguém estava segurando vocês!

3 comentários:

  1. Muito boa a história e a construção do texto. Essa lenda marcou minha infância. Yuri.

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  2. História bonita e q deveria ser passada para outros mesmo.

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