terça-feira, 9 de janeiro de 2018

REMÉDIO PARA DOR DE CABEÇA



 Dino de Alcântara

Caju descia a ladeira de cima da Chã com cara de poucos amigos. O calor daquele dia (outubro) tinha aumentado a sua dor de cabeça terrivelmente. Já tinha tomado um chá de erva-cidreira em casa, antes de ir à casa de Cabeludo, mas nem tinha diminuído. Já planejava comprar no Aniceto um comprimido para passar a maldita dor.
Quanto passou em frente a casa de Juvenal, Felipe de Paulo o abordou e, vendo que o colega estava com cara de poucos amigos, indagou-lhe:
FELIPE DE PAULO – O que é isso, siô?
CAJU – Felipe, estou com uma dor de cabeça que está para explodir a cachola.
FELIPE DE PAULO – Rapaz, faz como eu. Quando estou com dor de cabeça, corro pra casa e pulo na minha mulher. É um santo remédio. Passa logo qualquer dor.
E Caju, que sempre foi um dos mais sarcásticos repentistas de todos os tempos de toda a região de Alcântara:
CAJU – E onde é que ela está agora, Felipe?

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

DEFUNTO EM CASA


Dino de Alcântara

Sentado na calçada da Quitanda de Aniceto, seu compadre, Brola ficava observando o movimento tanto dos que iam para cima da Chã como dos vinham de lá. Vez ou outra entrava um freguês no comércio, e Aniceto deixava-o sozinho para atender ao freguês. Logo depois, voltava ao mesmo local em que estava, para continuar a prosa.
Nisso chegou Juliana para comprar uns mantimentos. Não pôde deixar de observar uma situação inusitada: o zíper da bermuda estava completamente aberto, de maneira que quase já apareciam as partes do idoso.
JULIANA – Brola, tua braguilha está aberta.
Ele, que sempre soube sair das mais adversas situações em que o colocavam, riu um risinho debochado.
BROLA – Pequena, os mais velhos diziam que, com defunto em casa, a porta tem que ficar aberta.

MARIANO E O RECENSEADOR



 Dino de Alcântara

Sempre que o Censo do IBGE aparecia para as bandas do Cujupe, os moradores ficavam sobressaltados, imaginando que, diante de um aumento da renda, as mercadorias poderiam aumentar mais do que já aumentavam.
Na casa do Mariano, o homem do Censo chegou perto das onze horas de uma quinta-feira. Já tinha passado por outras casas do povoado, sempre anotando numas folhas que guardava com cuidado. A primeira pergunta que fez, considerando o jeito da casa, tudo no lugar, rádio grande, rede bonita, etc., foi sobre a renda, isto é, se era aposentado e se recebia uma ou duas aposentadorias. Mariano disse que só uma – “E olhe lá!” Como estava com roupa de roça, pediu licença ao recenseador para se trocar. Foi caminhando em direção ao quarto, mas antes que entrasse, retirou a bermuda de trabalho. Como estava desprevenido, o funcionário do IBGE pôs vista em suas vergonhas. Como era do tipo que atracava de popa, no dizer de Tralhoto, forçou bem a vista para ver direito, meio espantado com a grandeza macha.
Meia hora depois, terminado o questionário, o recenseador guardou todos os papeis, apertou a mão do morador e, com um risinho sem vergonha nos lábios, olhando para as partes de Mariano: “Você merecia ter duas aposentadorias!”

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

OS PECADORES E SEUS PECADOS




 Dino de Alcântara
 

Desde a aquela fatídica noite de quinta-feira, na Pensão da Dona Cotinha, no Portinho, em que havia conhecido a Du Carmo, vinda das brenhas de Buriticupu, Felipe de Paulo andava de esguelha em casa, com medo de descobrirem o “pecado”. Quando ia urinar, ia para as bandas da mangueira de sumo, para ninguém perceber o seu gemido diante da dor. Estava com formigamento, expelindo pus sempre que esvaziava a bexiga. Com receio, sem o conhecimento necessário, ia levando esse tormento até quando Deus quisesse.
Assim, na festa de Zuza, no Sete de Setembro, ainda estava com a “bicha no corpo”. Depois de uns goles de Cerma, enfrentava o sacrifício de aliviar-se perto de uma touceira de banana cacau. Percebendo o “mal” do amigo, Moscote saiu atrás de Felipe. Mal este puxava o cinto, começava o suplício. Moscote chegou mais perto e deu sinais de que também se aliviaria.
MOSCOTE – Como é, Filipe? Tá acagibado aí?
FELIPE – Siô, desde que pulei numa pequena em São Luís, estou assim. Botando pus toda hora.
MOSCOTE – Eu sei o que é isso. Sinto dor sempre. Estou com hemorroida doida. Toda vez que vou no mato, é aquela aflição. Não sai pus, mas sai sangue aqui atrás.
FELIPE (Apontando para o pênis) – É, meu velho, cada um paga o seu pecado por onde pecou!

terça-feira, 22 de agosto de 2017

A CURACANGA



Dino de Alcântara

Naquela sexta-feira de um agosto seco, que deixava Pedro Leitão preocupado com o plantio de maniva no Sangal da Baixa do Meio, Moscote saiu da casa de João Coelho no Raimundo-Sul. O sol começava a esmorecer. Era tardinha. Bem que Madalena de Gregório do Tijupá avisou para ele não viajar uma hora dessas, porque só chegaria ao Cujupe altas horas da noite. E, como era sexta-feira, alguma maldição poderia aparecer. Moscote só disse um Quá! Tomou uma xícara de café com beiju de tapioca grossa e cambou para a estrada do Camuritiua. Chegou perto do Itamatatiua com noite fechada. Apressou o passo. Perto da casa de finado Biné, ouviu um assobio medonho para os lados da fonte. Começou a pensar em outras coisas. Lembrou-se dos seios de Maricoco, do dia em que esteve quase a tirar a roupa de Tereza na festa de Ponciano. Foi novamente chamado à estrada por um raio que cruzava o céu. Era estranho porque não havia um pingo de sinal de chuva. Parou numa touceira de milhã e aliviou a bexiga. Alcançou o ramal do Camuritiua já noite alta. Umas estrelas brilhantes alumiavam com o auxílio de um pinguinho de lua. Subiu a ladeira que leva para Alcântara. Quando chegou à Tiquara, saiu da estrada e entrou no caminho, perto da casa de João Severo. Andou mais uns passos, viu um rasgo no céu. Pensou que era vista cansada. Estava olhando coisas. Deixou a  ladeira rumo à casa de Zé Formiga. Outro clarão no céu. Fez o Pelo Sinal e apressou os passos. Um susto o fez paralisar da cabeça aos pés. Uma bola de fogo enorme vinda das bandas do Tatuoca. Veio como se fosse um bicho a motor. Moscote entrou no mato e se escondeu debaixo de uma ingazeira. A bola de fogo passou perto do olho de uma palmeira. Ele se arrepiou todo. Um batimento cardíaco acelerado fez o homem imaginar que ia ter um ataque do coração. Não passou dez minutos, ele agachado debaixo da árvore, a bola de fogo voltou. Viu bem perto. Não havia dúvida. Era uma curacanga. Começou a rezar, mas uma reza em voz baixa, porque os dentes batiam um no outro. Não podia seguir em frente. Se aparecesse no caminho, a curacanga poderia matá-lo. Mais uma vez ela cortou o céu. Desta vez tão baixa que quase pega no olho da ingazeira. Nesse momento, de reza, medo e reflexão, um ato de coragem iluminou-lhe o cérebro. Tirou uma faca da cintura.  “Sim. Esta faca nunca cortou nada. É uma faca virgem!” Meteu a faca na terra e deu três voltas nela no sentido contrário aos ponteiros do relógio, como disse Caniludo. A bola de fogo saiu em disparada para as bandas do Camuritiua. Moscote esperou mais uma boa hora para ter certeza de que a bicha não vinha mais. Tentou se levantar, mas as pernas com câimbra não ajudaram. Fez força para se pôr de pé. Nada. Parecia uma galinha com as pernas presas por embira. Foi se encostando na inzazeira até quase se deitar. Esperou um bom tempo nessa posição. Galo começou a cantar para os lados do São Maurício. Esperou mais tempo. Quando a cantoria começou a se espalhar e no céu os primeiros sinais da manhã começaram a aparecer, Moscote se levantou, fez mais um Pelo Sinal, rezou um Pai-Nosso, um Credo, uma Salve-Rainha, que Maria Castro lhe ensinara, e ganhou, protegido de tudo, até de visagem, o caminho do Cujupe.