Dino de Alcântara
Naquela sexta-feira de um agosto seco, que deixava
Pedro Leitão preocupado com o plantio de maniva no Sangal da Baixa do Meio,
Moscote saiu da casa de João Coelho no Raimundo-Sul. O sol começava a
esmorecer. Era tardinha. Bem que Madalena de Gregório do Tijupá avisou para ele
não viajar uma hora dessas, porque só chegaria ao Cujupe altas horas da noite.
E, como era sexta-feira, alguma maldição poderia aparecer. Moscote só disse um
Quá! Tomou uma xícara de café com beiju de tapioca grossa e cambou para a
estrada do Camuritiua. Chegou perto do Itamatatiua com noite fechada. Apressou
o passo. Perto da casa de finado Biné, ouviu um assobio medonho para os lados
da fonte. Começou a pensar em outras coisas. Lembrou-se dos seios de Maricoco,
do dia em que esteve quase a tirar a roupa de Tereza na festa de Ponciano. Foi
novamente chamado à estrada por um raio que cruzava o céu. Era estranho porque
não havia um pingo de sinal de chuva. Parou numa touceira de milhã e aliviou a
bexiga. Alcançou o ramal do Camuritiua já noite alta. Umas estrelas brilhantes alumiavam
com o auxílio de um pinguinho de lua. Subiu a ladeira que leva para Alcântara. Quando
chegou à Tiquara, saiu da estrada e entrou no caminho, perto da casa de João
Severo. Andou mais uns passos, viu um rasgo no céu. Pensou que era vista cansada.
Estava olhando coisas. Deixou a ladeira
rumo à casa de Zé Formiga. Outro clarão no céu. Fez o Pelo Sinal e apressou os
passos. Um susto o fez paralisar da cabeça aos pés. Uma bola de fogo enorme
vinda das bandas do Tatuoca. Veio como se fosse um bicho a motor. Moscote entrou
no mato e se escondeu debaixo de uma ingazeira. A bola de fogo passou perto do
olho de uma palmeira. Ele se arrepiou todo. Um batimento cardíaco acelerado fez
o homem imaginar que ia ter um ataque do coração. Não passou dez minutos, ele
agachado debaixo da árvore, a bola de fogo voltou. Viu bem perto. Não havia
dúvida. Era uma curacanga. Começou a rezar, mas uma reza em voz baixa, porque
os dentes batiam um no outro. Não podia seguir em frente. Se aparecesse no
caminho, a curacanga poderia matá-lo. Mais uma vez ela cortou o céu. Desta vez
tão baixa que quase pega no olho da ingazeira. Nesse momento, de reza, medo e
reflexão, um ato de coragem iluminou-lhe o cérebro. Tirou uma faca da cintura. “Sim. Esta faca nunca cortou nada. É uma faca
virgem!” Meteu a faca na terra e deu três voltas nela no sentido contrário aos
ponteiros do relógio, como disse Caniludo. A bola de fogo saiu em disparada
para as bandas do Camuritiua. Moscote esperou mais uma boa hora para ter
certeza de que a bicha não vinha mais. Tentou se levantar, mas as pernas com câimbra
não ajudaram. Fez força para se pôr de pé. Nada. Parecia uma galinha com as
pernas presas por embira. Foi se encostando na inzazeira até quase se deitar. Esperou
um bom tempo nessa posição. Galo começou a cantar para os lados do São
Maurício. Esperou mais tempo. Quando a cantoria começou a se espalhar e no céu
os primeiros sinais da manhã começaram a aparecer, Moscote se levantou, fez
mais um Pelo Sinal, rezou um Pai-Nosso, um Credo, uma Salve-Rainha, que Maria
Castro lhe ensinara, e ganhou, protegido de tudo, até de visagem, o caminho do Cujupe.
até hoje as comunidades dos interiores se preocupam com essa lenda
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