segunda-feira, 14 de agosto de 2017

O REFASTOLO

 Dino de Alcântara

Toda sociedade se constrói sobre mitos e lendas. Daí resulta sua cultura, sua evolução, sua civilização. Foi assim com os povos antigos, Egípcios, Gregos, Judeus, entre outros. Por mais primitiva que seja uma tribo, um povoado, um grupo social, há uma série de histórias (não comprovadas pela ciência) que circulam de forma oral entre os integrantes de grupo.
Moisés, séculos antes da Era Cristã, se debruçou sobre uma infinidades de mitos para construir a história de um povo. Sabia, do alto de sua sapiência, que não se constrói um povo sem história, e a história precisa estar alicerçada nos mitos. Da mesma forma, Virgílio, na Roma antiga, construiu, sobre um mito, a história e a cultura do povo romano.
No Cujupe, três povos (índio, branco e negro) construíram uma infinidade de histórias, lendas, mitos. Uma dessas narrativas miraculosas é a do Refastolo.

Em idos de 1939, numa noite com um pingo de lua no céu, Zé Baé, saiu do Bom-que-dói em direção à casa de Cabeça Gorda. Era dia de uma ladainha, com direito a chocolate, bolo de tapioca, café, etc. Quando contornou a curva do caminho perto da casa de Nunilha, viu um vulto sair de trás de uma touceira de marajazeiro. Escuro, mas viu que se tratava de um bicho do tamanho de um gato. Realmente era um felino. Passou, cruzando o caminho, bem em frente de Zé Baé. Mais adiante, quase perto da Mangueira de Cheiro, plantada ainda no tempo de Paulo Costa, um cachorro cruzou o caminho numa direção contrário ao que o gato tinha atravessado. Deu para olhar bem a cara do bicho. Não latiu, não rosnou, nada. Zé Baé ficou imóvel, sem saber de quem era esse cachorro. Apressou o passo. Quando passou pela tapera de Vicente, um bode passou por ele, entrando no mato. Os cabelos arrepiaram, quis correr, mas as pernas ficaram meio bambas. Fez o pelo sinal, quis gritar, mas ficou com mais medo. Não deu trinta passadas, um garrote cruzou o caminho de novo. Todo branco. Nesse momento, Zé Baé se lembrou do famoso Refastolo. Não havia dúvida: era o diabo do bicho. A hora em que ficasse do tamanho de um boi feito, mataria o pobre homem e o levaria para as profundezas da escuridão. Retirou forças não se sabe de onde e saiu numa carreira que nem na época de garoto, fugindo de um boi de verdade, chegou a atingir tamanha velocidade. Felizmente, na casa de Ludegero, viu cachorro latindo e foi gritando: “Acode, cupade!” E invadiu o terreiro, indo pelo quintal. Ludegero abriu a mençaba da “cambra” que dava para a cozinha e avistou um assombrado Zé Baé. Parecia que tinha visto uma Curacanga. “Pior, cumpade! Tem bicho solto por aí. Doido é quem sai agora porta fora!”. Depois de uma conversa com o compadre, Ludegero armou uma rede na cozinha para Baé passar a noite. Esqueceu Ladainha, bolo, chocolate, café, reza, tudo. Nessa noite, quase toda com medo, embalando a rede para chamar o sono, mergulhou algumas vezes num mundo dos anjos. Numa dessas “viagens”, sonhou com um boi que vinha desembestado para matá-lo. 

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