quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

SIMPATIA PARA NÃO VIRAR VIADO

  Dino de Alcântara

Raimundo Paiaco sempre foi considerado um dos maiores repentistas do Cujupe. Bastava ele chegar em qualquer parte, que logo o indagavam acerca de alguma situação, para que ele caísse numa armadilha verbal. Mas sempre se saía das armadilhas, como uma jiboia entre os caibros de uma casa coberta de pindova.

Assim numa manhã de abril, quando, na casa do forno de Gregório,  Zacarias Cruz, com muitos homens alugados, estava com uma boa safra de farinha seca, Paiaco, vindo do porto do Itapeua, entrou para um dedo de prosa.  Zezão foi logo dizendo: “Olha quem chegou! Não é Jonoro, o vira porco?” Raimundo estava com a frase pronta, como se já esperasse pela indagação: “Rapaz, quando entrei aqui, juro que pensava que eu era o teu pai, Caniludo,”.  E deu a gargalhada reconhecida a mais de 300 metros de distância, no que foi imitado por todos, com exceção do provocador.

Alguns minutos depois, Gonçalo, querendo provocar Paiaco, indagou-lhe se ele sabia de alguma simpatia para um sujeito não virar viado. Paiaco se aproximou do forno e foi explicando: “Rapaz, dizendo André Doidinho que tem um remédio que é tiro e queda”. Nessa hora, todos os homens largaram suas tarefas e se aproximaram do contador de causo. Até o dono da safra, Zacarias, chegou mais perto para ouvir. Raimundo tirou um papel, botou um pouco de fumo Caipora, fez um cigarro, acendeu, tirou uma boa baforada e explicou a simpatia:

– A receita é simples: Tu escolhe uma galinha bonita do terreiro, pega pelas pernas e escolhe uma pena do rabo. Não pode ser da asa. Só dá certo se for do rabo.

Gonçalo quis saber do resto.

– Calma, rapaz, está com medo de sair daqui e já entrar no mato com João Peua?

– Livra... tá doido?!

Supriano mandou que Paiaco continuasse.

– Pega a pena da galinha, dobra bem dobradinha, como se fosse um papel de cigarro e coloca sempre no bolso. Não sai sem ela. É fácil assim. O sujeito nunca vai soltar a boga.

– Mas como, Paiaco? – Quis saber Pedro Leitão?

– Simples: “Quem tem pena do rabo nunca vira viado!”

E saiu em gargalhada em direção à casa de Mariano.

 



 

terça-feira, 11 de agosto de 2020

COMIDA PARA URUBUS

 Dino de Alcântara

 O ano de 19.., foi terrível. No começo de junho, não caiu mais uma chuva boa, apenas chuviscos desprezíveis. Zacarias ficou preocupado.

Em agosto, já havia poço quase secando. Em setembro, alguns riachos secaram completamente. A preocupação passou a tirar o sono de muita gente.

Em outubro e novembro, o capim do campo começou a ressecar. O gado, desolado, caminhava muito para encontrar um resto de pasto.

Em dezembro, tudo seco. O gado magro, não tinha forças mais para caminhar. Zacarias precisou contratar uns trabalhadores para tirar ração em outras localidades para não deixar suas reses morrerem. Ainda assim, não teve jeito. Morreram alguns animais. 

O pequeno lavrador e criador de umas três dezenas de bois, vacas bezerros, olhou para o céu ficou bravo com tudo. Com as chuvas, que não vinham, com a natureza, com o sol escaldante, com as nuvens que não faziam sombra e com os urubus, que pareciam adorar aquela situação. Gritava para afugentá-los, mas nada adiantava.

Uma manhã, já de sol forte, Zacarias viu uma vaca, bem magra, morta. Em cima dela, um bando de urubus, esfomeados, disputando com voracidade cada espaço do cadáver do pobre animal. 

 

Berrou a todos os pulmões:

– Podem comer até se fartar, bando de diabos. Quem criou vocês não tem o que dá de comer, eu dou.

sexta-feira, 15 de maio de 2020

Caminhoneiro Expresso



Carvalhacante de Alcantacuri

O ano de ocorrência dessa galhofaria é 2020. Um período de enormes mudanças para a humanidade, para o Brasil, para o Maranhão, para o Cujupe. Quão gostoso é falar da terra do famoso poeta da Canção do Exílio, o grande Gongon. Se pegar o vasto espaço territorial deste pedaço de chão que, por muitos, é considerado a terra de onde até o Sol mente, seria capaz de pegar países como Japão e Portugal juntos e colocá-los dentro e ainda sobrar espaço. Meu Maranhão, onde alguns enganam, onde outros não ligam para o próximo.
No início do mês de abril, quando o pico pandêmico da COVID-19 chegou a níveis exagerados, muitas famílias da Grande Ilha começaram um verdadeiro êxodo em direção aos interiores do Maranhão, principalmente no que tange à Baixada Maranhense. Região esta onde concentra-se a maior parte dos grandes lagos e ‘Puções’, mas onde também, em virtude da localização e proximidade(apenas esta), a região Litorânea acaba recebendo o nome de Baixada.
Há um caminhoneiro  no bairro da Gancharia que adora gargantear que é um excelente motorista e sabe dirigir os maiores transportes que qualquer um pode imaginar. Aliás, ele não é excelente somente dirigindo veículos longos, mas ele é excelente em tudo que faz. Certa vez, ouvi-lo dizer que sabia pilotar até mesmo um elevador para 16 pessoas, que sensação gostosa.
O caminhoneiro é gente de um povoado chamado Cirimônia, com CI mesmo. A mãe do mesmo encontra-se acamada, enredeada. Como ele é um filho maravilhoso e também trabalhador, conseguiu uma folga da sua empresa, a Expresso Caminhões & Cargas para fazer uma visita à sua amada e ilustre mãe. Pegou um carrinho na gancharia pagando apenas R$ 2,00. Desceu em frente a portaria principal da empresa Vale. Esperou mais ou menos 15 minutos até passar a van do Batista.
Fez uma viagem bastante tranquila de 1h e 30 minutos. Encontrou alguns conhecidos onde apertou a mão de todos e conversou bastante, sem o devido cuidado de usar a máscara. Também encontrou conhecidas, onde, além do aperto de mão, também deu beijos no rosto delas. Proseou muito com todos, contou suas vantagens. Assim que qualquer pessoa tentava falar algo, ele metia uma conversa por cima obrigando o ouvinte a ficar calado. Quando o ouvinte ficava calado, ele espetava com a mão para obrigar a pessoa a prestar atenção nas histórias que ele estava contando.
Chegou no porto do Cujupe. Subiu andando e triste por causa da distância entre o porto e a casa da mãe deste destemido herói. Logo em frente ao boteco do Cássio, pai de Capin e da ex dançarina Caíta, encontro um amigo. Jack Leckler com aquele jeitão abobalhado, agarrou sua mão e perguntou como estava. Seguiu viagem para a Cirimonia. Logo ao chegar na Boca do Ramal, pensou: Como sou sortudo. Ia entrando uma pick-up Hilux que vinha trazendo peixe de Bequimão. Não pensou duas vezes, entrou na boleia da Hilux e seguiu viagem falando como o carro era macio e não deixou o motorista falar. Depois de passar pelo Itapeua e povoado Cujupe, chegou na Cirimonia e desceu. Agradeceu e, sem querer querendo, acabou falando ao motorista que a esposa estava com o Corona. O motorista que nada tinha falado na viagem, nessa hora que ia falar o obrigado, ficou sem voz, de uma brancura tremenda. Segundo relato do caminhoneiro, o motorista do carro de peixe ainda ficou por 10 minutos sem sair do lugar.
Sem ter o que fazer ou conversar com mãe, teve uma brilhante ideia. Começou a fazer visitas aos conhecidos e amigos do povoado onde muitos haviam deixado São Luís com medo do maléfico vírus. Visitou muitos. Uma família decidiu fechar o portão para que visitas como Babá e outros não pudessem ir, mas acharam que com o portão fechado, os visitantes iriam se tocar e dá meia volta. Mas como falado anteriormente, o caminhoneiro é muito inteligente. Ele soube abrir o ferrolho, mas os donos conseguiram fazer com que ele não entrasse através da verbalização distanciada.
No dia seguinte, ele tentou de todo jeito contato com alguém da Ilha Grande para ir buscá-lo juntamente com seus cofos e sacos de estopas chapados de manga. Ninguém se atreveu. O motorista de caminhão acabou ficando puto/pistola por não saber o motivo de ninguém querer falar com ele, soltou palavrões mentalmente pelo fato de considerar os moradores da Cirimonia deselegantes e soberbos, por não querer tirar um tempo de prosa com o mesmo. Decidiu não voltar lá tão cedo com medo de represálias.


quinta-feira, 7 de maio de 2020

AS DOENÇAS CONTAGIOSAS E O ISOLAMENTO


Dino de Alcântara



As doenças contagiosas sempre despertaram uma preocupação nas sociedades antigas, medievais e modernas. A hanseníase, varíola, cólera, peste bubônica, sarampo, tuberculose, catapora, gripe espanhola, a caxumba e, a mais recente, covid-19 mataram centenas de milhões de pessoas ao longo dos séculos.

A prevenção, quase sempre, foi o isolamento dos doentes. No Maranhão, as autoridades sanitárias criaram, no século XX, o hospital no Bonfim, com o nome de colônia, separado da cidade pelo Rio Bacanga. No Filipinho, havia o sanatório para os doentes de tuberculose. Para as outras doenças, com curas mais rápidas, a exemplo do sarampo, da catapora, da caxumba, da gripe espanhola, etc. cada um cuidava de si no Maranhão até meados dos anos 70 do século XX. 

No Cujupe e em outros lugares em que a ciência tinha mais dificuldades de penetrar, dadas as circunstâncias socioeconômicas e geográficas, era um medo terrível. Quando algum barqueiro viajava a São Luís e descobria um surto de sarampo, caxumba ou outra doença contagiosa, voltava imediatamente, sem frequentar os lugares públicos e aqueles que lhe traziam algum prazer ao estômago e à carne.

Nos idos de 1960, Estêvão não conseguiu se prevenir e voltou à sua terra, o Cujupe, com o vírus do sarampo. Quando a notícia correu o povoado, muita gente entrava no mato perto de sua casa, para não passar na porta do doente.

Com 15 dias, já bem melhor, Estêvão resolveu ir até a sua roça. Precisava ver se os porcos do mato estavam devorando a plantação de mandioca. Quando chegou a uma bifurcação de caminho, avistou Cancão que voltava da lida diária. Cancão levou um susto enorme. Parecia estar vendo bem defronte de seus olhos uma curacanga ou um lobisomem. Estevão não parou, mesmo sabendo do pavor que sua presença provocava. Momento de pânico. Cancão precisava tomar uma decisão urgente. Tomou. Entrou no mato, rasgando tiririca nos braços e nas costas. Tinha de se afastar o máximo do caminho em que o doente tinha andado. O cofo de buriti que trazia ficou para trás. Não podia andar no mato com aquele peso nos ombros. Uma hora depois, todo cortado de cipó, capim navalha e tiririca, Cancão saiu na campina. Ao chegar em casa, correu direto à fonte. Tomou um banho demorado. Voltou para casa disposto a não passar tão cedo naquele caminho contaminado.

Três dias depois, Cancão amanheceu com febre, moleza no corpo, irritação nos olhos, algumas manchas pelo corpo e um medo descontrolado de morrer. Havia sido contaminado.

domingo, 26 de abril de 2020

O FILHO QUE JÁ(MAIS) AMOU



Dino de Alcântara


Lourival Santos Costa, depois de sua fuga, em cima da Maria Fumaça, para Teresina, não teve como voltar à Ilha dos Amores, com receio de que fosse duramente castigado pelo pai. Da capital do Piauí seguiu, com o pessoal do Circo dos Sonhos, para Fortaleza. Depois de um longo período na cidade de José Alencar, a saudade da sua terra e dos seus entes queridos começou a fazer um estrago no coração do jovem do Cujupe. Essa saudade aumentava quando Lourival ouvia canções de Nelson Gonçalves, Dorival Caymmi, Vicente Celestino. Havia uma música que o encantava mais que as outras. Tinha uma letra bonita. Dizia “Eu jamais te esquecerei, nem que as estrelas deixem de brilhar!”. E ficava repetindo a palavra jamais. Jamais. Mas não sabia o que significava. Então procurou um senhor, que parecia um velho sabido e fez a procura. O velho lhe disse: “Jamais significa para sempre!”. Lourival repetiu: “Jamais.. para sempre”. Ficou o dia todo com a palavra na boca. Que palavra bonita! No mesmo dia, de noite, na pensão em que morava, de nome Marajá, de dona Maria do Carmo, conhecida como Mariinha, escreveu uma longa carta para o pai, que morava na Madre Deus. A missiva aludia ao pecado da fuga, o destino, o trabalho, a dureza, o sofrimento e, finalmente, a saudade. Pedia perdão pelo desatino e concluía dizendo que precisava voltar para os seus. O fecho da carta tinha uma frase primorosa: Meu pai, hoje tenho certeza: eu jamais lhe amarei.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

LOURIVAL E A VIAGEM DE TREM



Dino de Alcântara

Lourival Santos Costa, interno da Escola de Aprendizes Artífices do Maranhão, mais tarde Liceu Industrial de São Luís (hoje IFMA), no início dos anos 40, teve um grande sobressalto, ao conhecer uma linda menina, filha de um dos sócios do Circo dos Sonhos, instalado para as bandas do Diamante. Foi uma paixão fulminante, dessas que não nos deixam outra saída, senão o enfrentamento. Ia todos os dias ao circo para ver a musa. À noite, com o coração em prantos, imaginava o dia em que não a veria mais, já que a arte circense é mambembe: hoje está numa cidade, amanhã pode estar em outra. Até que num sábado de setembro, ao chegar ao Diamante, encontrou apenas o local em que estava armado o circo. Nem sinal da Amélia, a menina do olhar feiticeiro. Descobriu, através de uma moradora do bairro, que tinham ido para o Piauí na sexta-feira, no trem São Luís-Teresina. Passou dias e noites tentando encontrar uma forma de viajar ao sertão, atravessando o rio Parnaíba.
 Assim, depois de uma fuga exitosa, das janelas da escola federal, Lourival tomava o trem de passageiros em direção à Teresina. Como não conseguiu com os amigos, nem com o maquinista o dinheiro necessário para a viagem, foi em cima de um dos vagões. Ao chegar à Estação Ferroviária de Teresina, o jovem do Cujupe desceu com as costas em petição de miséria, tanto que teve de ser levado a um hospital, dadas as queimaduras nas costas, com as faíscas da famosa Maria Fumaça. Sem ter lido o romance de Victor Hugo, Trabalhadores do Mar, agiu como Gilliat: enfrentou mares e fúrias (no caso de Lourival: sacolejos, fome, sede, sol, frio, queimaduras, etc.) em nome de uma paixão, que, aliás, nem durou dois meses.