RAIMUNDO
PAIACO E O CHAMATÓ
Numa noite de maio, após
um longo dia de chuva, Raimundo Paiaco acordou no meio da noite, quase já de
madrugada, sentindo uma dolorosa contração no ventre, e logo em seguida a
necessidade imperiosa de praticar certo ato fisiológico de que nenhum indivíduo
se pode eximir. Caçou debaixo da rede as sandálias e não encontrou nada.
Farejou em outros cantos do quarto. Nada. Mas a situação exigia rapidez.
Levantou silenciosamente para não acordar Luíza e as filhas. Foi pé ante pé à
rede da filha Conceição. Felizmente encontrou o que queria: o chamató. Verdade
que nunca tinha usado aquilo. Mas vá lá. Sempre tem a primeira vez. Enfiou o pé
direito; depois, o esquerdo e saiu. Caía um sereno forte. Mais para chuvisco.
Apressou os passos. Aqui e ali um tropeção. Quase cai ao adentrar o mato em
direção ao local em que ele e sua família expeliam os excrementos do dia.
Chegando ao local, acocorou-se, abaixou a bermuda. Felizmente estava sem
cuecas. Aliviou o ventre. Agora era só pegar um ou duas folhas de pindova e
tratar da higiene. Procurou, mas não achou à mão. Levantou-se, com muito
cuidado, pois a roupa não poderia subir à cintura. Precisava dar uns dois
passos. Adentrou bem os pés no chamató e se preparou para ir à caça do objeto a
ser usado na limpeza. Mas, ao passar por cima da raiz saliente que era usada
como base para os pés, escorregou. Tentou de várias formas segurar-se. Em vão. A pouca perícia com o
uso do chamató e a bermuda perto dos joelhos dificultaram enormemente a
empreitada. Acabou caindo, de costas, sobre os próprios excrementos e sobre os antigos.
Disse um palavrão naquela noite escura. Maldisse a chuva, o chamató. Aliás,
deveria se livrar logo dessa praga. Lançou-o fora. Levantou. Pegou a bermuda e
colocou logo na cintura. Depois se lava. Saiu rápido do local. Transpassou a
odienta raiz. Ganhou a porta da rua. Disse mais uma ou duas palavras brabas. Um
relâmpago clareou o terreiro. Quem passasse por ali, avistaria um raivoso
Raimundo passando debaixo da mangueira azedinha, pés descalços, em direção à
fonte. Chamató do diabo. Foi o disse e sumiu no caminho escuro.