sábado, 26 de novembro de 2016

CAUSOS DO CUJUPE

RAIMUNDO PAIACO E O CHAMATÓ

Numa noite de maio, após um longo dia de chuva, Raimundo Paiaco acordou no meio da noite, quase já de madrugada, sentindo uma dolorosa contração no ventre, e logo em seguida a necessidade imperiosa de praticar certo ato fisiológico de que nenhum indivíduo se pode eximir. Caçou debaixo da rede as sandálias e não encontrou nada. Farejou em outros cantos do quarto. Nada. Mas a situação exigia rapidez. Levantou silenciosamente para não acordar Luíza e as filhas. Foi pé ante pé à rede da filha Conceição. Felizmente encontrou o que queria: o chamató. Verdade que nunca tinha usado aquilo. Mas vá lá. Sempre tem a primeira vez. Enfiou o pé direito; depois, o esquerdo e saiu. Caía um sereno forte. Mais para chuvisco. Apressou os passos. Aqui e ali um tropeção. Quase cai ao adentrar o mato em direção ao local em que ele e sua família expeliam os excrementos do dia. Chegando ao local, acocorou-se, abaixou a bermuda. Felizmente estava sem cuecas. Aliviou o ventre. Agora era só pegar um ou duas folhas de pindova e tratar da higiene. Procurou, mas não achou à mão. Levantou-se, com muito cuidado, pois a roupa não poderia subir à cintura. Precisava dar uns dois passos. Adentrou bem os pés no chamató e se preparou para ir à caça do objeto a ser usado na limpeza. Mas, ao passar por cima da raiz saliente que era usada como base para os pés, escorregou. Tentou de várias formas segurar-se. Em vão. A pouca perícia com o uso do chamató e a bermuda perto dos joelhos dificultaram enormemente a empreitada. Acabou caindo, de costas, sobre os próprios excrementos e sobre os antigos. Disse um palavrão naquela noite escura. Maldisse a chuva, o chamató. Aliás, deveria se livrar logo dessa praga. Lançou-o fora. Levantou. Pegou a bermuda e colocou logo na cintura. Depois se lava. Saiu rápido do local. Transpassou a odienta raiz. Ganhou a porta da rua. Disse mais uma ou duas palavras brabas. Um relâmpago clareou o terreiro. Quem passasse por ali, avistaria um raivoso Raimundo passando debaixo da mangueira azedinha, pés descalços, em direção à fonte. Chamató do diabo. Foi o disse e sumiu no caminho escuro.

Um comentário: