Provérbios da Língua Portuguesa
que o Cujupe usa e abusa
Provérbios da Língua Portuguesa
que o Cujupe usa e abusa
Dino de Alcântara
Dois irmãos, Barão e Moringa, moradores do Cujupe, combinaram viajar para São Luís juntos. Pegaram o ferry das 7h30 e atravessaram a Baía de São Marcos, que algumas cabeças pensantes do Maranhão chamam de golfo, e desembarcaram na Ponta da Espera às 9h.
Tomaram um micro-ônibus e foram até o Anel Viário. No terminal de ônibus, ainda da época do governador Luiz Rocha, tomaram o Santa Rosa, por acharem ser mais rápido que o do São Francisco, e sentaram na cadeira bem atrás do cobrador.
Barão, que havia dormido pouco na noite anterior, sentiu a presença do sono por dois longos bocejos. Moringa, bem falante, não costumava tirar sonecas nem em viagens longas, que dirá numa viagem de 20 minutos, como essa que ia até o retorno do São Francisco. Barão segurou o sono até a descida da ladeira da Praça Gonçalves Dias para a Maria Aragão. Mas, ao cruzar a antiga Reffsa, já estava a sono largo.
Moringa só olhou para o cobrador, que fez um aceno, rindo. Quando o ônibus chegou ao Retorno do São Francisco, Moringa, silenciosamente, fez sinal para o motorista parar e desceu sem fazer o menor barulho. Ainda olhou para o cobrador e pediu silêncio. O cobrador bem que quis gritar e chamar Barão, mas acabou entrando na brincadeira e deixou o pobre passageiro descer bem longe e caminhar no sol quente. Moringa se dirigiu à casa de um irmão nas proximidades da Mirante.
O cobrador, ou fez de propósito, ou ficou com receio de chamar o passageiro (Barão) e levar um bogue no meio da cara, fechou-se em copas. Barão entrou no sono mais profundo que um homem pode conseguir. Dormiu, dormiu, roncava, como se estivesse em coma. Nada tirava Barão do mundo dos sonhos; nem os solavancos que o veículo dava. Passou pelo Tropical, avançou pelo Vinhais, passou em frente ao São Domingos, Angelim, Rio Anil Shopping, atravessou a Avenida São Luís Rei de França e nada de Barão acordar. O Santa Rosa entrou na Avenida dos Holandeses, foi até o retorno do SESC do Olho-d’Água e rumou para última parada da linha. Ao descer, o cobrador foi obrigado a chamar Barão. Teve certo esforço, mas conseguiu tirá-lo do sono rem.
Barão deu um salto da cadeira, olhou para os lados, não viu o irmão, perguntou onde estava. O cobrador disse que no final da linha do ônibus. Barão perguntou onde era “esse raio”. O cobrador disse que era para as bandas do Olho-d’Água.
“Tu tá doido ou tá broco? Eu ia descer no São Francisco.” “Mas o senhor dormiu e passou do ponto. E o seu colega que nem lhe chamou?” “Colega, não. Irmão. Ele é meu irmão. Quer dizer, irmão do cão!”. Barão ainda bateu boca com o cobrador, mas o motorista se meteu na confusão, acalmando os ânimos. Propôs colocar o passageiro no ônibus que estava saindo para o centro, com a ordem expressa que avisasse, chamasse se fosse preciso, na hora em que passassem pelo Retorno do São Francisco.
Até hoje, passados quase 12 meses desse ocorrido, Barão nunca conseguiu dizer uma palavra áspera ao irmão, simplesmente porque não consegue dirigir-lhe um leve oi, a não ser que “peça perdão de joelhos e apanhe duas lapadas de cipó mexila para aprender ser gente!”
Dino de Alcântara
Raimundo Paiaco sempre foi considerado um dos maiores repentistas do Cujupe. Bastava ele chegar em qualquer parte, que logo o indagavam acerca de alguma situação, para que ele caísse numa armadilha verbal. Mas sempre se saía das armadilhas, como uma jiboia entre os caibros de uma casa coberta de pindova.
Assim numa manhã de abril, quando, na casa do forno de Gregório, Zacarias Cruz, com muitos homens alugados, estava com uma boa safra de farinha seca, Paiaco, vindo do porto do Itapeua, entrou para um dedo de prosa. Zezão foi logo dizendo: “Olha quem chegou! Não é Jonoro, o vira porco?” Raimundo estava com a frase pronta, como se já esperasse pela indagação: “Rapaz, quando entrei aqui, juro que pensava que eu era o teu pai, Caniludo,”. E deu a gargalhada reconhecida a mais de 300 metros de distância, no que foi imitado por todos, com exceção do provocador.
Alguns minutos depois, Gonçalo, querendo provocar Paiaco, indagou-lhe se ele sabia de alguma simpatia para um sujeito não virar viado. Paiaco se aproximou do forno e foi explicando: “Rapaz, dizendo André Doidinho que tem um remédio que é tiro e queda”. Nessa hora, todos os homens largaram suas tarefas e se aproximaram do contador de causo. Até o dono da safra, Zacarias, chegou mais perto para ouvir. Raimundo tirou um papel, botou um pouco de fumo Caipora, fez um cigarro, acendeu, tirou uma boa baforada e explicou a simpatia:
– A receita é simples: Tu escolhe uma galinha bonita do terreiro, pega pelas pernas e escolhe uma pena do rabo. Não pode ser da asa. Só dá certo se for do rabo.
Gonçalo quis saber do resto.
– Calma, rapaz, está com medo de sair daqui e já entrar no mato com João Peua?
– Livra... tá doido?!
Supriano mandou que Paiaco continuasse.
– Pega a pena da galinha, dobra bem dobradinha, como se fosse um papel de cigarro e coloca sempre no bolso. Não sai sem ela. É fácil assim. O sujeito nunca vai soltar a boga.
– Mas como, Paiaco? – Quis saber Pedro Leitão?
– Simples: “Quem tem pena do rabo nunca vira viado!”
E saiu em gargalhada em direção à casa de Mariano.
Dino de Alcântara
O ano de 19.., foi terrível. No começo de junho, não caiu mais uma chuva boa, apenas chuviscos desprezíveis. Zacarias ficou preocupado.
Em agosto, já havia poço quase secando. Em setembro, alguns riachos secaram completamente. A preocupação passou a tirar o sono de muita gente.
Em outubro e novembro, o capim do campo começou a ressecar. O gado, desolado, caminhava muito para encontrar um resto de pasto.
Em dezembro, tudo seco. O gado magro, não tinha forças mais para caminhar. Zacarias precisou contratar uns trabalhadores para tirar ração em outras localidades para não deixar suas reses morrerem. Ainda assim, não teve jeito. Morreram alguns animais.
O pequeno lavrador e criador de umas três dezenas de bois, vacas bezerros, olhou para o céu ficou bravo com tudo. Com as chuvas, que não vinham, com a natureza, com o sol escaldante, com as nuvens que não faziam sombra e com os urubus, que pareciam adorar aquela situação. Gritava para afugentá-los, mas nada adiantava.
Uma manhã, já de sol forte, Zacarias viu uma vaca, bem magra, morta. Em cima dela, um bando de urubus, esfomeados, disputando com voracidade cada espaço do cadáver do pobre animal.
Berrou a todos os pulmões:
– Podem comer até se fartar, bando de diabos. Quem criou vocês não tem o que dá de comer, eu dou.