Dino de Alcântara
Em meados dos anos 40 do Século XX, havia depois a
campina a casa de João da Cruz, homem já na casa dos sessenta, mas ainda bem
disposto para o serviço. Sua casa, pequena, tinha um dos quintais mais
singulares do Cujupe: o capim verdejante no inverno e nos dias de lua cheia a
maré vindo do Guariba.
Chico, numa noite de abril, foi até a casa do
morador e com ele proseou um bom tempo, tomando uma boa xicara de café,
enquanto o anfitrião trançava um cofo de alqueire.
A lua já marcava oito horas, quando o morador do
Itapeua resolveu atravessar a campina em direção à ladeira grande. Chegando ao
começo da subida, bastante íngreme e escorregadia, devido às chuvas da tarde,
algo o impede de subir. A princípio, imaginou tratar-se de uma tontura ou
canseira. Mas logo percebeu que era algo fora do seu corpo. Voltou dois passos
e acelerou o pé para frente, mas, no mesmo ponto, esbarrou numa cerca
invisível. Tentou gritar, mas a língua ficou presa no céu da boca. Não
conseguiu senão produzir um grunhido. As pernas ficaram bambas, dormentes, um
calafrio percorreu o corpo todo. Um zunido no ouvido direito. Logo em seguida, veio
a impressão de ter ouvido uma risadinha perto de um marajazeiro. Mas uma vez
tentou gritar, em vão. Não saía nada de som. Pela terceira vez, tentou avançar.
Nada. Uma força o impedia de seguir. Olhou para trás. O clarão da campina. Um
uivo forte cortou aquela mata fechada. Um vulto de um homenzinho saiu correndo
de um lado para outro. “Curupira!” Arregalou os olhos. Virou novamente e viu a
claridade. Numa fração de segundos, saiu em disparada rumo à casa do João da
Cruz. Chegou trôpego, sem “um farelo de ar”. Minutos depois, Chico, armado até
os dentes, voltava disposto a quebrar o lombo dos curupiras. Trazia uma faca,
um cacete de urucurana e uma lamparina. Ao adentrar a mata que formava a subida
da ladeira do Itapeua, preparou o cacete para meter nas costas dos safados, mas
um misto de decepção e derrota afloraram no seu semblante. Não havia ninguém
por ali. Ainda gritou: “Se forem machos, venham pro caminho!”, mas só uma
coruja, no alto da mangueira xarope, parece que ouviu esse desafio. Chegou ao
topo sem esbarrar em nada. Um cachorro de Mariano latiu alto, mas foi logo
reprovado pelo homem. Nessa noite, um curupira safado pulou no Chico várias
vezes, num pesadelo que ele teve pelas três horas da madrugada.