sexta-feira, 18 de março de 2022

BOCA DE FORNO

 Dino de Alcântara

 


Nas horas calmas da noite, geralmente com a Lua banhando os caminhos, os terreiros, as portas de rua, os quintais, as folhas das árvores, etc., as crianças do Cujupe (antigamente) se reuniam para brincar. Uma das mais queridas brincadeiras era Boca de Forno.

Encontravam-se Arinaldo, França, Antônio, Cacá, João Baralhada, Teresa de Paiaco, Irene, Teresa de Quinca, Curica, Nildes, Radiado, Nivaldo, Lapichal e tantas outras crianças, além de mim, claro, figura sempre presente. Não se usava ainda o nome adolescente. Ou era adulto ou era criança. As brincadeiras ocorriam quase sempre na porta da rua da casa de Mariano.

Uma das crianças, depois de uma discussão, às vezes mais acalorada, em que alguém precisava fazer o costumeiro “deixa-disso”, se tornava o comandante ou o senhor. As outras eram os brincantes ou meros participantes, condenados a sair correndo para buscar o que o líder mandasse. A ordem consistia em achar um determinado objeto: uma folha de mangueira cajá, um tucum, uma folha de limoeiro de Mariano, um fruto de ariri, um bacuri, uma manga, uma pedra branca, uma pedra de carvão, etc. O primeiro que chegasse com o objeto seria promovido a comandante, enquanto os outros (tanto os que haviam conseguido ou não) continuavam sendo apenas comandados, além de levar um bolo.

 

O diálogo era um pequeno teatrinho:

 

COMANDANTE – Boca de Forno!

PARTICIPANTES – Jacarandá!

COMANDANTE – Se eu mandar?

PARTICIPANTES – Vou.

COMANDANTE – Se não for?

PARTICIPANTES – Pego um bolo.

COMANDANTE – Quero que me tragam uma folha de mangueira.

 

Mal o comandante acabava de ordenar, os participantes saíam na carreira atrás do objeto tão desejado.

 

  

Minutos depois, chegava alguém esbaforido com o objeto, que era entregue ao comandante. Este examinava e validava. Aos outros, restava o bolo, além de continuarem sendo meros participantes.

E a brincadeira continuava, para alegria de todos nós.

Que magia não havia nessas brincadeiras, de tantas alegrias. Horas e horas, depois do jantar, com o luar clareando tudo, a gritaria e o corre-corre, a porfia, etc. nos tornavam as pessoas mais felizes do mundo. Como disse o poeta Casimiro de Abreu:

 

Oh! Que saudades que tenho

Da aurora da minha vida,

Da minha infância querida

Que os anos não trazem mais!

 

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Despedida de uma velha

    Quando alguém que não conhecemos morre, sentimos um certo peso. Quando é um conhecido, sentimos que se esvai uma parte nossa. A nossa vida é muito frágil, cheia de percalços e desilusões. Mas dentre todas essas problemáticas, nós encontramos afeto, amor. Amor esse de se observar uma velha quebrando coco e os debulhando para jogar às galinhas, sempre tendo o cuidado de deixar um punhado para uma criança que a chamava de vó só pelo fato de senti-la como.

    Entre idas e vindas ao doce e maravilhoso lugar, uma terra encantada pertencente ao município de Alcântara, o laço entre esta criança e a senhora foram crescendo. Conversas sobre roça, sobre os netos e netas dela e também a amizade que foi se formando com os filhos dela, principalmente um com nome de peixe (que infelizmente já está ao seu lado), ou de um baixinho que se atrapalha quando fica nervoso ao falar. O amor cresceu.

    O "neto" cresceu, já não lhe visitava tanto quanto antes, preferia ficar deitado na rede ou trilhando pelos cantos do perfeito povoado. Quando se vira adolescente, acabamos descobrindo coisas e sentimentos diferentes, não que deixamos de amar ou gostar, mas acabamos deixando de lado o que já foi e continua sendo importante.

    O tempo passou, você envelheceu. Nós também, de certa forma, ficamos mais maduros. Volta-se a prestar atenção novamente naquilo que julgamos, quem sabe, talvez já inexistente. Seu lugar passa a ser uma simples rede, e aquelas crianças que um dia você amamentou e deu comida na boca, são aqueles que inverteram a situação. É a vez deles, dele. Algumas pessoas começam a considerar um peso, sentir como se o mundo estivesse às costas. Mas alguém batalhou até o fim, o seu.

    Algumas mortes rápidas são dolorosas, mortes que não esperamos. Vontade de pegar na mão de um Tralhoto. Mas quando alguém já morreu tem algum tempo, mas apenas o seu coração continua a pulsar, infelizmente, chegou a hora dessa pessoa repousar.

    

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

DOIS IRMÃOS NA ILHA OU BARÃO DORME NO PONTO

 

 


Dino de Alcântara

Dois irmãos,  Barão e Moringa, moradores do Cujupe, combinaram viajar para São Luís juntos. Pegaram o ferry das 7h30 e atravessaram a Baía de São Marcos, que algumas cabeças pensantes do Maranhão chamam de golfo, e desembarcaram na Ponta da Espera às 9h. 

 

Tomaram um micro-ônibus e foram até o Anel Viário. No terminal de ônibus, ainda da época do governador Luiz Rocha, tomaram o Santa Rosa, por acharem ser mais rápido que o do São Francisco, e sentaram na cadeira bem atrás do cobrador. 

 

Barão, que havia dormido pouco na noite anterior, sentiu a presença do sono por dois longos bocejos. Moringa, bem falante, não costumava tirar sonecas nem em viagens longas, que dirá numa viagem de 20 minutos, como essa que ia até o retorno do São Francisco.  Barão segurou o sono até a descida da ladeira da Praça Gonçalves Dias para a Maria Aragão. Mas, ao cruzar a antiga Reffsa, já estava a sono largo. 

 

Moringa só olhou para o cobrador, que fez um aceno, rindo.  Quando o ônibus chegou ao Retorno do São Francisco, Moringa, silenciosamente, fez sinal para o motorista parar e desceu sem fazer o menor barulho. Ainda olhou para o cobrador e pediu silêncio. O cobrador bem que quis gritar e chamar Barão, mas acabou entrando na brincadeira e deixou o pobre passageiro descer bem longe e caminhar no sol quente. Moringa se dirigiu à casa de um irmão nas proximidades da Mirante. 

 


O cobrador, ou fez de propósito, ou ficou com receio de chamar o passageiro (Barão) e levar um bogue no meio da cara, fechou-se em copas. Barão entrou no sono mais profundo que um homem pode conseguir. Dormiu, dormiu, roncava, como se estivesse em coma. Nada tirava Barão do mundo dos sonhos; nem os solavancos que o veículo dava. Passou pelo Tropical, avançou pelo Vinhais, passou em frente ao São Domingos, Angelim, Rio Anil Shopping, atravessou a Avenida São Luís Rei de França e nada de Barão acordar. O Santa Rosa  entrou na Avenida dos Holandeses, foi até o retorno do SESC do Olho-d’Água e rumou para última parada da linha. Ao descer, o cobrador foi obrigado a chamar Barão. Teve certo esforço, mas conseguiu tirá-lo do sono rem

 

Barão deu um salto da cadeira, olhou para os lados, não viu o irmão, perguntou onde estava. O cobrador disse que no final da linha do ônibus. Barão perguntou onde era “esse raio”. O cobrador disse que era para as bandas do Olho-d’Água. 

 


“Tu tá doido ou tá broco? Eu ia descer no São Francisco.” “Mas o senhor dormiu e passou do ponto. E o seu colega que nem lhe chamou?” “Colega, não. Irmão. Ele é meu irmão. Quer dizer, irmão do cão!”. Barão ainda bateu boca com o cobrador, mas o motorista se meteu na confusão, acalmando os ânimos. Propôs colocar o passageiro no ônibus que estava saindo para o centro, com a ordem expressa que avisasse, chamasse se fosse preciso, na hora em que passassem pelo Retorno do São Francisco.

Até hoje, passados quase 12 meses desse ocorrido, Barão nunca conseguiu dizer uma palavra áspera ao irmão, simplesmente porque não consegue dirigir-lhe um leve oi, a não ser que “peça perdão de joelhos e apanhe duas lapadas de cipó mexila para aprender ser gente!”  

    

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

SIMPATIA PARA NÃO VIRAR VIADO

  Dino de Alcântara

Raimundo Paiaco sempre foi considerado um dos maiores repentistas do Cujupe. Bastava ele chegar em qualquer parte, que logo o indagavam acerca de alguma situação, para que ele caísse numa armadilha verbal. Mas sempre se saía das armadilhas, como uma jiboia entre os caibros de uma casa coberta de pindova.

Assim numa manhã de abril, quando, na casa do forno de Gregório,  Zacarias Cruz, com muitos homens alugados, estava com uma boa safra de farinha seca, Paiaco, vindo do porto do Itapeua, entrou para um dedo de prosa.  Zezão foi logo dizendo: “Olha quem chegou! Não é Jonoro, o vira porco?” Raimundo estava com a frase pronta, como se já esperasse pela indagação: “Rapaz, quando entrei aqui, juro que pensava que eu era o teu pai, Caniludo,”.  E deu a gargalhada reconhecida a mais de 300 metros de distância, no que foi imitado por todos, com exceção do provocador.

Alguns minutos depois, Gonçalo, querendo provocar Paiaco, indagou-lhe se ele sabia de alguma simpatia para um sujeito não virar viado. Paiaco se aproximou do forno e foi explicando: “Rapaz, dizendo André Doidinho que tem um remédio que é tiro e queda”. Nessa hora, todos os homens largaram suas tarefas e se aproximaram do contador de causo. Até o dono da safra, Zacarias, chegou mais perto para ouvir. Raimundo tirou um papel, botou um pouco de fumo Caipora, fez um cigarro, acendeu, tirou uma boa baforada e explicou a simpatia:

– A receita é simples: Tu escolhe uma galinha bonita do terreiro, pega pelas pernas e escolhe uma pena do rabo. Não pode ser da asa. Só dá certo se for do rabo.

Gonçalo quis saber do resto.

– Calma, rapaz, está com medo de sair daqui e já entrar no mato com João Peua?

– Livra... tá doido?!

Supriano mandou que Paiaco continuasse.

– Pega a pena da galinha, dobra bem dobradinha, como se fosse um papel de cigarro e coloca sempre no bolso. Não sai sem ela. É fácil assim. O sujeito nunca vai soltar a boga.

– Mas como, Paiaco? – Quis saber Pedro Leitão?

– Simples: “Quem tem pena do rabo nunca vira viado!”

E saiu em gargalhada em direção à casa de Mariano.

 



 

terça-feira, 11 de agosto de 2020

COMIDA PARA URUBUS

 Dino de Alcântara

 O ano de 19.., foi terrível. No começo de junho, não caiu mais uma chuva boa, apenas chuviscos desprezíveis. Zacarias ficou preocupado.

Em agosto, já havia poço quase secando. Em setembro, alguns riachos secaram completamente. A preocupação passou a tirar o sono de muita gente.

Em outubro e novembro, o capim do campo começou a ressecar. O gado, desolado, caminhava muito para encontrar um resto de pasto.

Em dezembro, tudo seco. O gado magro, não tinha forças mais para caminhar. Zacarias precisou contratar uns trabalhadores para tirar ração em outras localidades para não deixar suas reses morrerem. Ainda assim, não teve jeito. Morreram alguns animais. 

O pequeno lavrador e criador de umas três dezenas de bois, vacas bezerros, olhou para o céu ficou bravo com tudo. Com as chuvas, que não vinham, com a natureza, com o sol escaldante, com as nuvens que não faziam sombra e com os urubus, que pareciam adorar aquela situação. Gritava para afugentá-los, mas nada adiantava.

Uma manhã, já de sol forte, Zacarias viu uma vaca, bem magra, morta. Em cima dela, um bando de urubus, esfomeados, disputando com voracidade cada espaço do cadáver do pobre animal. 

 

Berrou a todos os pulmões:

– Podem comer até se fartar, bando de diabos. Quem criou vocês não tem o que dá de comer, eu dou.

sexta-feira, 15 de maio de 2020

Caminhoneiro Expresso



Carvalhacante de Alcantacuri

O ano de ocorrência dessa galhofaria é 2020. Um período de enormes mudanças para a humanidade, para o Brasil, para o Maranhão, para o Cujupe. Quão gostoso é falar da terra do famoso poeta da Canção do Exílio, o grande Gongon. Se pegar o vasto espaço territorial deste pedaço de chão que, por muitos, é considerado a terra de onde até o Sol mente, seria capaz de pegar países como Japão e Portugal juntos e colocá-los dentro e ainda sobrar espaço. Meu Maranhão, onde alguns enganam, onde outros não ligam para o próximo.
No início do mês de abril, quando o pico pandêmico da COVID-19 chegou a níveis exagerados, muitas famílias da Grande Ilha começaram um verdadeiro êxodo em direção aos interiores do Maranhão, principalmente no que tange à Baixada Maranhense. Região esta onde concentra-se a maior parte dos grandes lagos e ‘Puções’, mas onde também, em virtude da localização e proximidade(apenas esta), a região Litorânea acaba recebendo o nome de Baixada.
Há um caminhoneiro  no bairro da Gancharia que adora gargantear que é um excelente motorista e sabe dirigir os maiores transportes que qualquer um pode imaginar. Aliás, ele não é excelente somente dirigindo veículos longos, mas ele é excelente em tudo que faz. Certa vez, ouvi-lo dizer que sabia pilotar até mesmo um elevador para 16 pessoas, que sensação gostosa.
O caminhoneiro é gente de um povoado chamado Cirimônia, com CI mesmo. A mãe do mesmo encontra-se acamada, enredeada. Como ele é um filho maravilhoso e também trabalhador, conseguiu uma folga da sua empresa, a Expresso Caminhões & Cargas para fazer uma visita à sua amada e ilustre mãe. Pegou um carrinho na gancharia pagando apenas R$ 2,00. Desceu em frente a portaria principal da empresa Vale. Esperou mais ou menos 15 minutos até passar a van do Batista.
Fez uma viagem bastante tranquila de 1h e 30 minutos. Encontrou alguns conhecidos onde apertou a mão de todos e conversou bastante, sem o devido cuidado de usar a máscara. Também encontrou conhecidas, onde, além do aperto de mão, também deu beijos no rosto delas. Proseou muito com todos, contou suas vantagens. Assim que qualquer pessoa tentava falar algo, ele metia uma conversa por cima obrigando o ouvinte a ficar calado. Quando o ouvinte ficava calado, ele espetava com a mão para obrigar a pessoa a prestar atenção nas histórias que ele estava contando.
Chegou no porto do Cujupe. Subiu andando e triste por causa da distância entre o porto e a casa da mãe deste destemido herói. Logo em frente ao boteco do Cássio, pai de Capin e da ex dançarina Caíta, encontro um amigo. Jack Leckler com aquele jeitão abobalhado, agarrou sua mão e perguntou como estava. Seguiu viagem para a Cirimonia. Logo ao chegar na Boca do Ramal, pensou: Como sou sortudo. Ia entrando uma pick-up Hilux que vinha trazendo peixe de Bequimão. Não pensou duas vezes, entrou na boleia da Hilux e seguiu viagem falando como o carro era macio e não deixou o motorista falar. Depois de passar pelo Itapeua e povoado Cujupe, chegou na Cirimonia e desceu. Agradeceu e, sem querer querendo, acabou falando ao motorista que a esposa estava com o Corona. O motorista que nada tinha falado na viagem, nessa hora que ia falar o obrigado, ficou sem voz, de uma brancura tremenda. Segundo relato do caminhoneiro, o motorista do carro de peixe ainda ficou por 10 minutos sem sair do lugar.
Sem ter o que fazer ou conversar com mãe, teve uma brilhante ideia. Começou a fazer visitas aos conhecidos e amigos do povoado onde muitos haviam deixado São Luís com medo do maléfico vírus. Visitou muitos. Uma família decidiu fechar o portão para que visitas como Babá e outros não pudessem ir, mas acharam que com o portão fechado, os visitantes iriam se tocar e dá meia volta. Mas como falado anteriormente, o caminhoneiro é muito inteligente. Ele soube abrir o ferrolho, mas os donos conseguiram fazer com que ele não entrasse através da verbalização distanciada.
No dia seguinte, ele tentou de todo jeito contato com alguém da Ilha Grande para ir buscá-lo juntamente com seus cofos e sacos de estopas chapados de manga. Ninguém se atreveu. O motorista de caminhão acabou ficando puto/pistola por não saber o motivo de ninguém querer falar com ele, soltou palavrões mentalmente pelo fato de considerar os moradores da Cirimonia deselegantes e soberbos, por não querer tirar um tempo de prosa com o mesmo. Decidiu não voltar lá tão cedo com medo de represálias.