segunda-feira, 19 de agosto de 2019

O MACACO ISDROPE



 Dino de Alcântara
 
Raimundo Paiaco e o genro estavam remando em direção à Boca Nova, perto do Igarapé da Passagem. Maré cheia, quase na preamar. Uns guarás voando em direção à Ilha das Pacas e um taquiri sentado num mangue vermelho pareciam observar os dois remadores. Tudo calmo. Até que um macaco quebrou o silêncio daquela manhã. Desceu de um mangueiro até a maré. Raimundo parou de remar e fincou os olhos no animal. O símio preparou-se para atravessar o igarapé a nado. Mas um comportamento insólito chamou a atenção de Raimundo: o macaco começou a nadar apenas com uma mão, como se a outra estivesse quebrada. O remador se aproximou do animal para verificar de perto o que estava acontecendo de fato. O braço esquerdo estava perfeito. Mas então por que ele nadava só com uma? Pôs a mão na água para descobrir o porquê daquela situação. Fez uma descoberta das mais estranhas: o macaco nadava com um dedo da mão esquerda cravado do reto. Num relance Paiaco descobriu o sentido do gesto do animal: certamente as pregas do ânus eram diferentes – não se fechavam, isto é, não impediam a entrada da água. Raimundo fez um gesto brusco, segurando o braço esquerdo do macaco. Ele resistiu, mas Raimundo foi mais forte. Com um braço ocupado e com o outro usando para o nado, começou a afundar, ficando apenas com os olhos e o nariz fora d’água. Paiaco esperou um pouco mais para ver o que ia acontecer. Quando o animal já estava quase se afogando, ele puxou-o, salvando-o. Ergueu-o, observando a barriga, que estava completamente cheia. Deixou-o do outro lado do Igarapé, em segurança, num mangue, ralhando com o pobre vivente, que ainda expelia água pelo orifício anal.
– Vai, cão. Tu num presta nem pra gente comer. Bota água pelo feofó que nem cuia furada. Tá todo isdrope*!

* Isdrope (com I mesmo) significa pessoa que sofre de hidropsia (barriga d'água)

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