Dino de Alcântara
Raimundo Paiaco foi o melhor contador de histórias
do Cujupe e de toda a região do Litoral e da Baixada Maranhense. Boca da noite, depois de um jantar servido pela companheira Luísa, ia
prosear na casa de Mundica de Ziquié. Para lá corriam muitos outros moradores,
ávidos de uma boa conversa e de uma xícara de café torrado em casa. Quando as
crianças estavam abancadas, pediam a Raimundo que contasse uma de suas histórias.
E eram milhares. Raimundo pensava, pensava e logo iniciava uma, quase sempre
sem dizer que já estava narrando. Aos ouvidos dos desatentos, tratava-se de um
caso verídico acontecido a algum compadre pelas bandas do Raimundo-Sul. Numa
noite, após França tanto pedir ao mestre, ele disse aos ouvidos atentos:
– Zé de
Filomena disse na casa de Siriba Seca que tinha um sujeito tão preguiçoso em Mamorana
de nome Zé Praxedes, que já nem tinha
onde morar. A casa era tapada de pindova braba, com coberta velha, goteira para
todos os lados. Para comer, nem uma cuia de farinha d’água. Os vizinhos é que
se compadeciam dele, levando de quando em quando um pirão de bagrinho, uma
tigela de juçara, quando era tempo, ou de buriti. Assim Zé Praxedes ia
passando. Uns fiapos de roupa para cobrir o corpo. Muita gente das bandas de lá
já estavam convencidos de que o jeito era enterrar o homem. Beiço Rachado é que
dizia: “Nada de enterrar homem vivo! Deus há de encontrar um caminho para
salvar o cristão!”. Mas esse dia não chegava. Era assim todo dia: de manhã um
tiquinho de café com farinha d’água, meio dia um pirão, à tardinha, outro pirão
ou um mingau, que os vizinhos levavam. Até que o próprio Beiço Rachado concordou
com os moradores: enterrar o infeliz no cemitério do Cajueirinho. Era só marcar
o dia. Marcaram para o dia de finados mesmo. Zé Baé e Sertão foram na frente cavar a
sepultura, quase dentro de mato, para não se misturar com os outros túmulos. Liderados por Beiço Rachado, foram mais de dez
homens e mulheres ao casebre do infeliz dar a notícia do seu enterro. Ele ouviu
tudo em silêncio. Depois, pediu um cigarro, acendeu, deu duas baforadas,
levantou a cabeça e disse: “se é assim, vamos”. Amarraram a rede do miserável num pau bem
firme e saíram no cortejo. Beiço Rachado com ar triste olhava para o “defunto”,
com a consciência de quem fez de tudo para salvar uma alma. Já perto do
bacurizeiro de Januária, um vizinho foi tomado de comoção: “O que levam aí?”
Disseram que era Zé Praxedes que ia ser enterrado vivo por não ter mais coragem
para nada, nem para tomar banho na fonte, que dirá plantar uma macaxeira. “Por
isso não”, disse o condoído vizinho, “eu tenho um paneiro de arroz e posso dar pra
ele. Assim não precisa enterrar o infeliz!” Zé Praxedes, que até então escutava
a conversa sem nada esboçar, inquiriu a alma bondosa: “O arroz está pilado?” O
homem respondeu que não. E, olhando os que participavam do cortejo rumo ao
Cajueirinho, disse: “Então pode seguir o enterro!”
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