segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Galo de briga

            Era inicio do ano de 1970, uma bela segunda feira de sol e 7:30 da manhã. Neste período, ainda era possível encontrar um certo quê de humanidade e bondade nas pessoas. Quando alguém necessitava de uma ajuda para tapar casa com barro ou cobri-las de palha, a maioria dos vizinhos estavam lá desde cedo para ajudar.
                  Como se diz no cujupe, tava maior galhufaria aquele amontoado de gente servindo palha e outro na parte superior da casa recebendo-as. Quincas (Pau Branco, Manteiga, Rabo de Boi ou Sangue de Mamão) que era e é, até hoje, magricelo e desprovido de força, permaneceu na parte de baixo por não conseguir trepar na cumieira da casa para ajeitar as pindobas.
                Finado Cancão também se encontrava lá, de 15 em 15 minutos mirando o sol e exigindo que Mariano Bracinho fizesse uma vaquinha com os outros companheiros para comprar duas garrafas de Caninha do Engenho ou Caninha da Roça, a que encontrassem mais barata na, até então, pequena quitanda do Aniceto.
             Havia um espectador de 12 anos. Algumas moças como Lili, Alixandrinha e Tereza de Miratempo. Outros adultos como Olegário e Charuto (este atende com a Alcunha de Luís).
                  Por volta das 8 horas da manhã, avistam um homem caminhando meio tropego em direção à eles. Como o sol da manhã tampava a visão deles, só puderam perceber que se tratava de Chico Cavalcante quando o mesmo começou a falar com sua voz única. O mesmo vinha queimado de cachaça logo cedo sem ninguém saber de onde.
                   Ao avistar seus camaradas e amigos trabalhando no duro tininho, em vez de ajudar, soltou uma icônica frase.
- Quero saber quem é o galo duro que tem coragem de descer e vir tirar uma pelleja comigo. - Balbuciou o velho Chico.
                Todos tinha medo daquele homem que era muito respeitado e temido por todos por tamanha força que ele possuía, mas, dentre todos aqueles homens trabalhadores, um deles deu um pinote lá do alto da coberta da casa. Era o menor de todos, o Olegário.
- Eu sou esse galo duro.- respondeu Olegário.
                Chico, mesmo cambaleando e com apenas um dos braço, derrubou o pequeno homem no chão e montou. Nessa hora, as mulheres começavam a gritar e chorar com medo do velho chico matar aquele pobre cidadão à punhos. E Quincas apavorado com aquilo tudo, sabia que só existia uma pessoa capaz de deter aquele homem em fúria. Era sua madrinha Alenice Cavalcante, a mulher com mais poderes naquela região. Não pensou duas vezes, saiu em disparada por entre um cipozal, visto que, o cipozal enrolou Pau Branco pela cintura e pelos braços, fazendo o mesmo acreditar que a briga tinha chegado até ele até que começou a gritar.
- Me laaarga, me sooolta que não tou nessa confusão. - Gritava Quintas apavorado de medo.
                  Até que todos os homens ali presente conseguiram ajojar o velho e retirá-lo de cima do pobre Olegário que até então se encontrava como um galo mole no chão.
                     O jovem de 12 anos apenas observou tudo aquilo em paz, apenas pensando que se o pai dele estivesse ficado por baixo, ele teria que ir correndo avisar a mãe.
                   
                     
                       

                    


segunda-feira, 19 de agosto de 2019

O LADRÃO DE MELANCIA


 Dino de Alcântara
Lá para as bandas da Baixa do Meio, Feliciano tinha uma roça, com uma maniva já graúda, um milho no ponto de apendoar e umas melancieiras carregadas. Eram de todas as espécies, grandes e pequenas, já que o lavrador havia plantado de todo tipo. Dava gosto de ver.
Porém nas últimas semanas, Feliciano entrava na roça com um pingo de tristeza e um montão de ódio no peito, devido ao roubo de muitas das melhores melancias. Parecia que todo mundo havia esquecido de plantar, mas mesmo assim queria comer. Ainda tentou vigiar. Em vão. No dia em que ia, não roubavam. No dia em que não ia, comiam a fulote. Desistiu de vigiar. Que comessem até se fartar!
Numa quinta-feira, banda de nove horas, justamente no dia em que Feliciano não havia ido à Baixa do Meio, Sertão apareceu na casa do lavrador. A prosa iniciou por um rumo que nada a tinha a ver com plantações. Sertão falou de tarrafa, de tainhas, tralhoto, etc. Depois, de mansinho, de esguelha tratou da roça do compadre.
– Compadre, eu vim aqui para lhe avisar que tão entrando na sua roça para comer melancia. O compadre tem que ficar de olho aberto. Já comeram é muita. Isso deve ser obra de João Peua, Buré e Pacamão.
Feliciano olhou bem para os olhos do compadre Sertão, depois mirou no pescoço. Ficou assombrado. Não conseguiu dizer uma única palavra: tinha uma prova irrefutável de que o compadre havia omitido alguns dos nomes envolvidos no furto: uma semente de melancia sobre a clavícula saliente, popularmente conhecida no Cujupe como cantareira.

O MACACO ISDROPE



 Dino de Alcântara
 
Raimundo Paiaco e o genro estavam remando em direção à Boca Nova, perto do Igarapé da Passagem. Maré cheia, quase na preamar. Uns guarás voando em direção à Ilha das Pacas e um taquiri sentado num mangue vermelho pareciam observar os dois remadores. Tudo calmo. Até que um macaco quebrou o silêncio daquela manhã. Desceu de um mangueiro até a maré. Raimundo parou de remar e fincou os olhos no animal. O símio preparou-se para atravessar o igarapé a nado. Mas um comportamento insólito chamou a atenção de Raimundo: o macaco começou a nadar apenas com uma mão, como se a outra estivesse quebrada. O remador se aproximou do animal para verificar de perto o que estava acontecendo de fato. O braço esquerdo estava perfeito. Mas então por que ele nadava só com uma? Pôs a mão na água para descobrir o porquê daquela situação. Fez uma descoberta das mais estranhas: o macaco nadava com um dedo da mão esquerda cravado do reto. Num relance Paiaco descobriu o sentido do gesto do animal: certamente as pregas do ânus eram diferentes – não se fechavam, isto é, não impediam a entrada da água. Raimundo fez um gesto brusco, segurando o braço esquerdo do macaco. Ele resistiu, mas Raimundo foi mais forte. Com um braço ocupado e com o outro usando para o nado, começou a afundar, ficando apenas com os olhos e o nariz fora d’água. Paiaco esperou um pouco mais para ver o que ia acontecer. Quando o animal já estava quase se afogando, ele puxou-o, salvando-o. Ergueu-o, observando a barriga, que estava completamente cheia. Deixou-o do outro lado do Igarapé, em segurança, num mangue, ralhando com o pobre vivente, que ainda expelia água pelo orifício anal.
– Vai, cão. Tu num presta nem pra gente comer. Bota água pelo feofó que nem cuia furada. Tá todo isdrope*!

* Isdrope (com I mesmo) significa pessoa que sofre de hidropsia (barriga d'água)

terça-feira, 13 de agosto de 2019

HISTÓRIA DE PAIACO





 Dino de Alcântara
Raimundo Paiaco foi o melhor contador de histórias do Cujupe e de toda a região do Litoral e da Baixada Maranhense. Boca da noite, depois de um jantar servido pela companheira Luísa, ia prosear na casa de Mundica de Ziquié. Para lá corriam muitos outros moradores, ávidos de uma boa conversa e de uma xícara de café torrado em casa. Quando as crianças estavam abancadas, pediam a Raimundo que contasse uma de suas histórias. E eram milhares. Raimundo pensava, pensava e logo iniciava uma, quase sempre sem dizer que já estava narrando. Aos ouvidos dos desatentos, tratava-se de um caso verídico acontecido a algum compadre pelas bandas do Raimundo-Sul. Numa noite, após França tanto pedir ao mestre, ele disse aos ouvidos atentos:
 – Zé de Filomena disse na casa de Siriba Seca que tinha um sujeito tão preguiçoso em Mamorana de nome Zé Praxedes, que já nem tinha onde morar. A casa era tapada de pindova braba, com coberta velha, goteira para todos os lados. Para comer, nem uma cuia de farinha d’água. Os vizinhos é que se compadeciam dele, levando de quando em quando um pirão de bagrinho, uma tigela de juçara, quando era tempo, ou de buriti. Assim Zé Praxedes ia passando. Uns fiapos de roupa para cobrir o corpo. Muita gente das bandas de lá já estavam convencidos de que o jeito era enterrar o homem. Beiço Rachado é que dizia: “Nada de enterrar homem vivo! Deus há de encontrar um caminho para salvar o cristão!”. Mas esse dia não chegava. Era assim todo dia: de manhã um tiquinho de café com farinha d’água, meio dia um pirão, à tardinha, outro pirão ou um mingau, que os vizinhos levavam. Até que o próprio Beiço Rachado concordou com os moradores: enterrar o infeliz no cemitério do Cajueirinho. Era só marcar o dia. Marcaram para o dia de finados mesmo.  Zé Baé e Sertão foram na frente cavar a sepultura, quase dentro de mato, para não se misturar com os outros túmulos.  Liderados por Beiço Rachado, foram mais de dez homens e mulheres ao casebre do infeliz dar a notícia do seu enterro. Ele ouviu tudo em silêncio. Depois, pediu um cigarro, acendeu, deu duas baforadas, levantou a cabeça e disse: “se é assim, vamos”.  Amarraram a rede do miserável num pau bem firme e saíram no cortejo. Beiço Rachado com ar triste olhava para o “defunto”, com a consciência de quem fez de tudo para salvar uma alma. Já perto do bacurizeiro de Januária, um vizinho foi tomado de comoção: “O que levam aí?” Disseram que era Zé Praxedes que ia ser enterrado vivo por não ter mais coragem para nada, nem para tomar banho na fonte, que dirá plantar uma macaxeira. “Por isso não”, disse o condoído vizinho, “eu tenho um paneiro de arroz e posso dar pra ele. Assim não precisa enterrar o infeliz!” Zé Praxedes, que até então escutava a conversa sem nada esboçar, inquiriu a alma bondosa: “O arroz está pilado?” O homem respondeu que não. E, olhando os que participavam do cortejo rumo ao Cajueirinho, disse: “Então pode seguir o enterro!”