Dino de Alcântara
Nascimento de Moraes, no seu livro Vencidos e Degenerados, publicado em
1915, dá voz a um dos personagens mais singulares da Literatura Maranhense:
Bento. Esse jornalista, como é chamado pelo narrador do romance, afirma, num
brilhante artigo sobre a terra de Gonçalves Dias, que o Maranhão ainda vivia (vive
para os mais pessimistas) a idade pré-ciência, em que os métodos científicos
ainda não haviam sido introduzidos na “terrinha”. Ao contrário, as mezinhas é
que curavam as pessoas ricas e pobres. No lugar de uma explicação científica,
uma justificativa caseira, do senso-comum. O pião-roxo, o benzimento, etc. eram
formas de tratamento das doenças maranhenses.
Em 2016, uma cena deixaria o ilustre maranhense do
começo do Século XX intrigado com o pouco avanço da ciência entre nós. Um carro
oficial do Tribunal de Justiça do Maranhão indo da Colares Moreira ao Reino
Infantil. Dentro, além do motorista, um senhor bem vestido. Função pública:
Desembargador. O carro preto se dirigia à escola para buscar o neto do
magistrado. Mas algo interrompeu o caminho. Um cachorro vira-lata tentando
expelir os restos que o intestino não quis aproveitar de uma comida de dois
dias antes. O homem da justiça deu ordem para o motorista parar o carro, assim
que percebeu a atitude do cão. Abriu o vidro esquerdo da porta de trás,
observou bem o momento em que o animal fazia o esforço no abdômen. Quando percebeu
que era a hora, cruzou, como se fossem dois anzóis, os indicadores. Quanto mais
o cachorro se espremia, mas os dedos do Desembargador se contraíam. Não eram
mais anzóis, mas duas argolas daquelas em que se vê nos guinchos que puxam
grandes contêineres no Porto do Itaqui. O bicho, em vão, contraía os músculos do
pescoço ao traseiro, numa atitude desesperada, esperando que a natureza ou São Lázaro
(protetor dos cães) lhe desse a solução do problema. Sim, era um problema:
estava constipado. Tentou mais uma vez. Dentro do carro, o desembargador estava
com os dedos vermelhos, o rosto em brasa, os olhos esbugalhados, a língua para
fora. E o motorista, tentando conter um risinho canalha. O cachorro abriu mais
as pernas na esperança de atenuar a dor. Parecia uma anomalia. Deixou o
traseiro bem perto do chão. O magistrado já quase com os dedos escapulindo um
do outro, deu um jeito de, sem desfazer o nó, arrumar os indicadores de maneira
que continuasse com o engate. Apertou mais, pois sentiu que o cão ia conseguir
lançar fora os excrementos. O rosto era agora um misto de dor e alegria. Segurou
por quase quarenta segundos a respiração. A língua descendo em direção ao
queijo. A luta durou uns dois ou três minutos. Finalmente o cão, derrotado,
desistiu. Saiu, cabisbaixo em direção a’O Imparcial. O Idoso, exultante, por
ter conseguido vencer o animal. Sem um pingo de ar, fez um gesto que o
motorista entendeu que deveria seguir em frente. Estava terminada a luta. O
magistrado deu de capote no vira-lata. O carro seguiu seu trajeto. Estacionou em
frente à escola. Entrou um garoto de treze, catorze anos. Foi embora. Um leitor
mais perspicaz vai indagar, ao final do conto, o que tem essa história com o
Cujupe. O narrador responde: a testemunha ocular do episódio era um “caboco” da
terra de Manoel Cavalcante.
Boa demais
ResponderExcluir