segunda-feira, 17 de abril de 2017

ZIQUIÉ, MARIANO E A JUÇARA


Dino de Alcântara

Ziquié (no batistério Ezequiel Pereira) acordou com uma vontade danada de tomar um bom vinho de juçara. Paiaco, que tinha passado boca da noite pela porta da rua, tinha dito que estava “à fulote” na Baixa Grande. Pelas seis da manhã, cortou uma pindova e trançou um cofo, mais ou menos de meio-alqueire, dando para uns dois ou três cachos de juçara. Banda de oito horas, já estavam o velho Ziquié e o seu único filho (uma vez que Teodora tinha falecido): Mariano, ou Maroca para íntimos, na Baixa Grande. Ziquié olhou para cima e viu uma quantidade enorme de cachos cinzentos. Deu água na boca. Imaginou-se empapado do precioso líquido. “Hoje eu tomo um alguidar inteiro!” Com a faca afiada, cortou uma boa tipoia e trançou-a. Depois de pronta, deu a Mariano. 
- Bora, macho. Tripa. 
Maroca não entendeu direito. Mas como Ziquié insistisse, o filho foi obrigado a dizer que nunca havia subido numa goiabeira, que dirá numa juçareira. Ziqué olhou para o alto, viu os cachos, cuspiu um catarro cinzento, fruto do fumo caipora, botou a mão direita na cintura, pensou um pouco e resmungou:
– Eu num tripo, tu não tripa, quem vai tripar?
Como Mariano esperava uma decisão do velho, apenas baixou a cabeça, talvez para contrair um risinho seco.
Ziquié lançou fora a tipoia, pegou o cofo enfiou no pau de carga e rumou pra casa.

Naquele dia, os três, Ziquié, Mundica e Maroca, entraram no escaldado com camarão seco. 

2 comentários:

  1. Uma beleza de história. Muito boa mesmo. Temos que fazer uma de palhaco

    ResponderExcluir
  2. – Eu num tripo, tu não tripa, quem vai tripar? Então não bebemos vinho de juçara

    ResponderExcluir