Numa sexta-feira de agosto de 19.., Ludegero
preparou sua espingarda e saiu para a Ilha Grande, atrás de uma boa caça. Sua
esposa até lembrou que era um dia perigoso para sair assim de noite, mas o
pobre homem retrucou, dizendo que no Apicum da Ilha Grande havia muitos rastros
de porcos, e dos grandes. E assim, já quase com o sol se escondendo no
Marindiua, Ludegero rumou para a caçada. Já planejava mandar preparar um vinho
de coco para botar no cozido.
Quando chegou ao ponto em que deveria esperar,
examinou bem o lugar, viu que os porcos estavam em grande quantidade. Subiu no mutá
(espécie de armação em que o caçador fica à espreita das presas) e esperou.
Aqui e ali uma imagem percorria o olhar do homem.
Vez ou outra, precisava mudar o rumo do olhar, para que o cabelo não se
arrepiasse.
O tempo passava como se cada minuto demorasse cerca
de duzentos segundos.
Até que, pela posição da lua, entre onze e meia-noite,
passou um bando de porcos numa embalada, correndo como se estivessem fugindo de
uma onça.
Não teve mais dúvida. O momento era este. Mirou no
porco da frente, por duas razões: era maior e parecia mais gordo. Um disparo se
ouviu no passagem, cerca trezentos metros de onde estava o nosso caçador. O porco caiu bem à frente, cerca de uns vinte
passos.
Ludegero ia descer para buscar a caça e rumar para
o Itapeua, mas foi surpreendido com uma cena que o deixou paralisado: um vulto
de gente, pequena, mas gente, algo em torno de 1m10.
O homenzinho foi até a árvore em que estava o
mutá. Longa conversa (em que o narrador, por não ser onisciente, não pôde
ouvir, nem entender patavina). Dez minutos depois, um Ludegero triste,
acabrunhado, visivelmente derrotado, pôs a espingarda no ombro e cambou para casa.
Entrou em casa quase uma hora da madrugada, sem
dizer nada à esposa. De manhã bem cedo, disse que fossem buscar o porco na Ilha
Grande. Foleiro e Zé Domingo foram encarregados de buscar a presa. Durante o
almoço, enquanto todos saboreavam um cozidão no vinho de coco, Ludegero
mastigava chibé com camarão seco.
Nunca mais comeu porco-do-mato nem foi mais caçar.
No leito da morte, o compadre Feliciano bem que
tentou arrancar o que tinha acontecido naquela famosa sexta-feira de agosto, mas
Ludegero fez sinal que não poderia contar. E levou para o túmulo o que seria a
única conversa entre um homem e um curupira na Ilha Grande.
Ótimo conto, muito bom mesmo. Os vocábularios estão divinos.
ResponderExcluirverdadeiro conto
ResponderExcluirFoi um causo verdadeiro.
ResponderExcluirPapai sempre contava.