terça-feira, 17 de abril de 2018

O CÃO DE GUARDA


         Dino de Alcântara

 
 
No tempo da Ulen em São Luís, o movimento de barcos a vela era intenso, sobretudo do porto do Cujupe, de onde saíam diariamente carregados de mangue para descarregar no Portinho, onde um grupo de mais de cinquenta homens manuseavam as toras de madeira dos manguezais para a combustão.
Por essa época, dono de um dos barcos (o Vitória-do-Mar), Fulgêncio tinha um grande tesouro: a esposa. Sem filhos, sem sogra em quem pudesse confiar um olhar, tinha grande receio de que a jovem esposa pudesse sucumbir a algum olhar maroto. Para uma missão espinhosa, Fulgêncio levou um cachorro para casa. Cão de guarda, bom vigia, comprado de uma mulher na Madre-Deus.
Com o tempo, Black (esse nome, desde o tempo de São Luís) vigiava a casa e a mulher do dono. Ninguém poderia entrar no terreiro, sem que o cãozinho latisse sem parar, voando com os dentes afiados. À noite, então, não deixava ninguém entrar. E era à noite que o mestre tinha mais medo de ser escorneado. 
 
 
Mas, com o passar do tempo, notou algo estranho: Black continuava implacável, mas a esposa tinha ares diferentes, cantava muito quando estava realizando algumas tarefas, como lavar, rachar lenhas, socar coco, etc. Fulgêncio ficou com certa desconfiança, mas continuou a confiar no companheiro. “Não era possível que alguém pudesse estar entrando na sua casa”, matutava o mestre quando estava enfrentando a fúria da Baía de São Marcos.
 

Até que, numa Ladainha em homenagem à Santa Bárbara, no dia 04 de dezembro, Fulgêncio fez uma descoberta das mais cruéis da sua vida: Black latia e avançava contra todos os convidados, até contra Bacima, de mais de 80 anos. O Anfitrião foi obrigado a prender o companheiro para dar um pouco de paz ao ambiente, já que ralhar com o animal não estava mais surtindo efeito. Até que Cural, vindo com ar descontraído pela ladeira da Mangueira São Joaquim, gritando; “Éh, comadre, Teresa!”, foi entrando no terreiro. De longe, Black fez tanta festa, ficou tão animado, que o visitante se viu impelido a ir até o pé de goiabeira, onde cão de guarda estava. Ao chegar, Black o beijou com tanto afeto, lambeu o rosto com tanto amor, que Cural o carregou, pondo-o no colo. Pareciam dois velhos amigos de longa data. Estarrecido, mudo, sem entender nada, um patético Fulgêncio os espiava de longe! 

 

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