segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Despedida de uma velha

    Quando alguém que não conhecemos morre, sentimos um certo peso. Quando é um conhecido, sentimos que se esvai uma parte nossa. A nossa vida é muito frágil, cheia de percalços e desilusões. Mas dentre todas essas problemáticas, nós encontramos afeto, amor. Amor esse de se observar uma velha quebrando coco e os debulhando para jogar às galinhas, sempre tendo o cuidado de deixar um punhado para uma criança que a chamava de vó só pelo fato de senti-la como.

    Entre idas e vindas ao doce e maravilhoso lugar, uma terra encantada pertencente ao município de Alcântara, o laço entre esta criança e a senhora foram crescendo. Conversas sobre roça, sobre os netos e netas dela e também a amizade que foi se formando com os filhos dela, principalmente um com nome de peixe (que infelizmente já está ao seu lado), ou de um baixinho que se atrapalha quando fica nervoso ao falar. O amor cresceu.

    O "neto" cresceu, já não lhe visitava tanto quanto antes, preferia ficar deitado na rede ou trilhando pelos cantos do perfeito povoado. Quando se vira adolescente, acabamos descobrindo coisas e sentimentos diferentes, não que deixamos de amar ou gostar, mas acabamos deixando de lado o que já foi e continua sendo importante.

    O tempo passou, você envelheceu. Nós também, de certa forma, ficamos mais maduros. Volta-se a prestar atenção novamente naquilo que julgamos, quem sabe, talvez já inexistente. Seu lugar passa a ser uma simples rede, e aquelas crianças que um dia você amamentou e deu comida na boca, são aqueles que inverteram a situação. É a vez deles, dele. Algumas pessoas começam a considerar um peso, sentir como se o mundo estivesse às costas. Mas alguém batalhou até o fim, o seu.

    Algumas mortes rápidas são dolorosas, mortes que não esperamos. Vontade de pegar na mão de um Tralhoto. Mas quando alguém já morreu tem algum tempo, mas apenas o seu coração continua a pulsar, infelizmente, chegou a hora dessa pessoa repousar.

    

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

DOIS IRMÃOS NA ILHA OU BARÃO DORME NO PONTO

 

 


Dino de Alcântara

Dois irmãos,  Barão e Moringa, moradores do Cujupe, combinaram viajar para São Luís juntos. Pegaram o ferry das 7h30 e atravessaram a Baía de São Marcos, que algumas cabeças pensantes do Maranhão chamam de golfo, e desembarcaram na Ponta da Espera às 9h. 

 

Tomaram um micro-ônibus e foram até o Anel Viário. No terminal de ônibus, ainda da época do governador Luiz Rocha, tomaram o Santa Rosa, por acharem ser mais rápido que o do São Francisco, e sentaram na cadeira bem atrás do cobrador. 

 

Barão, que havia dormido pouco na noite anterior, sentiu a presença do sono por dois longos bocejos. Moringa, bem falante, não costumava tirar sonecas nem em viagens longas, que dirá numa viagem de 20 minutos, como essa que ia até o retorno do São Francisco.  Barão segurou o sono até a descida da ladeira da Praça Gonçalves Dias para a Maria Aragão. Mas, ao cruzar a antiga Reffsa, já estava a sono largo. 

 

Moringa só olhou para o cobrador, que fez um aceno, rindo.  Quando o ônibus chegou ao Retorno do São Francisco, Moringa, silenciosamente, fez sinal para o motorista parar e desceu sem fazer o menor barulho. Ainda olhou para o cobrador e pediu silêncio. O cobrador bem que quis gritar e chamar Barão, mas acabou entrando na brincadeira e deixou o pobre passageiro descer bem longe e caminhar no sol quente. Moringa se dirigiu à casa de um irmão nas proximidades da Mirante. 

 


O cobrador, ou fez de propósito, ou ficou com receio de chamar o passageiro (Barão) e levar um bogue no meio da cara, fechou-se em copas. Barão entrou no sono mais profundo que um homem pode conseguir. Dormiu, dormiu, roncava, como se estivesse em coma. Nada tirava Barão do mundo dos sonhos; nem os solavancos que o veículo dava. Passou pelo Tropical, avançou pelo Vinhais, passou em frente ao São Domingos, Angelim, Rio Anil Shopping, atravessou a Avenida São Luís Rei de França e nada de Barão acordar. O Santa Rosa  entrou na Avenida dos Holandeses, foi até o retorno do SESC do Olho-d’Água e rumou para última parada da linha. Ao descer, o cobrador foi obrigado a chamar Barão. Teve certo esforço, mas conseguiu tirá-lo do sono rem

 

Barão deu um salto da cadeira, olhou para os lados, não viu o irmão, perguntou onde estava. O cobrador disse que no final da linha do ônibus. Barão perguntou onde era “esse raio”. O cobrador disse que era para as bandas do Olho-d’Água. 

 


“Tu tá doido ou tá broco? Eu ia descer no São Francisco.” “Mas o senhor dormiu e passou do ponto. E o seu colega que nem lhe chamou?” “Colega, não. Irmão. Ele é meu irmão. Quer dizer, irmão do cão!”. Barão ainda bateu boca com o cobrador, mas o motorista se meteu na confusão, acalmando os ânimos. Propôs colocar o passageiro no ônibus que estava saindo para o centro, com a ordem expressa que avisasse, chamasse se fosse preciso, na hora em que passassem pelo Retorno do São Francisco.

Até hoje, passados quase 12 meses desse ocorrido, Barão nunca conseguiu dizer uma palavra áspera ao irmão, simplesmente porque não consegue dirigir-lhe um leve oi, a não ser que “peça perdão de joelhos e apanhe duas lapadas de cipó mexila para aprender ser gente!”