Dino de Alcântara
Até os anos 80, o litoral e o interior do Maranhão
viviam num abandono das autoridades sanitárias. Os governantes estavam mais
preocupados com crescimento do PIB, geração de emprego e construção de obras,
já que o Brasil vivia num atraso secular em relação à logística – estradas, aeroportos,
ferrovias, portos, etc.
Muitos moradores do Cujupe andavam descalços,
bebendo água não tratada, caminhando por vias em que porcos e outros animais
também andavam. Dessa forma, eram comuns a verminose, a impingem e a frieira.
Esta última acometia quase todos os moradores da zona rural do Maranhão.
Sertão foi uma das vítimas das verminoses. Pegou
uma frieira, quando andava (descalço) pelo bananal de Mariano. Não soube bem quando pegou, mas soube quando apareceu a
maldita coceira entre os dedos do pé direito: numa sexta-feira de maio. Noite.
Hora de dormir depois de um cozidão de bagre e pirão de farinha d’água. Deitou-se
e sentiu uma vontade louca de coçar-se; primeiro com os dedos da mão, depois
nos punhos da rede, em seguida com a ponta de uma faca. No dia seguinte, usou
até pimenta malagueta para se curar. Tudo em vão. À noite, com o silêncio de
tudo, era que a maldita mais gostava de infernizá-lo. Botou lama do Guariba,
casca de siriba, leite de banana cacau. Nada. Já estava ficando preocupado. Foi
então que teve a ideia de procurar Elisa. Certamente ela saberia passar um
remédio tiro e queda para a maldita doença. Passou. Colocar o pé na água morna
à noite, antes de dormir. Sertão foi para casa e mal pôde esperar o horário de
dormir. Antes, rachou uma boa quantidade de lenha e colocou bastante água num
caldeirão e atiçou por quase meia hora o fogo. A água ficou em ponto de evaporação. Sertão
experimentou com um dedo. Estava fervendo. Foi ao jirau e lavou bem o pé
direito, como Elisa tinha falado, mas recusou a orientação da senhora experiente.
Não quis água morna. Na cabeça dele, água morna não serviria. Teria que ser bem
quente. Tirou o caldeirão das itacurubas e colocou no chão. Criou coragem e
colocou um pé dentro da água fervente. Foi uma dor única. Nem quando havia
cortado o pé com machado sentiu tanta dor. Ainda ficou por três segundos até os
vermes morrerem. Só então retirou. Percebeu algo estranho: o pé inteiro e mais
uma parte da canela estavam que nem camarão piticaia – completamente vermelhos.
Naquela noite, Sertão não sentiu coceira no pé,
mas não conseguiu dormir nada, com uma dor intensa.
Dois dias depois, estava curado da frieira, mas
levou quase um mês para poder andar direito pelos caminhos do Cujupe.