Dino de Alcântara
À Mundica, Didi, com saudosa lembrança.
Numa noite de céu estrelado, lua cheia, ventos soprando forte no Cujupe, Raimunda Andressa Pereira Cavalcante, ou simplesmente Mundica de Ziquié, ou ainda Didi para as crianças, depois de uma boa xícara de café, que não dispensava depois do jantar, sentou-se num banco e começou a nos contar uma de suas inesquecíveis histórias. Ela, nossa velha e boa Didi chamava de O Velho e os Três Filhos. E iniciou a narrativa. Nós, ouvintes, na maioria crianças, éramos um só ouvido. Antônio sentou-se num mocho e França abancou-se entre Maroca e Irene. Ambos com medo de que viesse uma história de defunto.
Mas não era. Contou-nos que essa história tinha sido contada pela sua mãe, dona Ângela, nascida ainda no tempo do Império, ainda quando ela, Didi, e os três irmãos eram ainda crianças. Dona Ângela teria ouvido de uma escravizada, que sabia muitas histórias da África.
Apresentou-nos, então, a figura central da narrativa. Era um velho, de quase oitenta anos, já pressentindo a morte chegar.
Danso, o velho, tinha três filhos. Viúvo, vivia numa casinha simples, mas com certo conforto, fruto de anos e anos de muito trabalho no campo.
Ouvindo da boca de outro ancião do lugar que, se não deixasse a sua casa e as suas terras para um dos filhos, os três brigariam e até se matariam pela posse dos bens, chamou-os ao quarto em que vivia, sempre deitado numa cama, e disse aos três:
– Meus filhos, estou muito velho e sei que, em breve, vou morrer. E, segundo um anjo que apareceu num sonho para mim, ontem à noite, eu devo deixar esta casa e as terras para um de vocês, não para os três, caso contrário, haverá muitas brigas e mortes.
Os três balançaram a cabeça afirmativamente, como a concordar com a decisão do pai.
– Então, continuou o velho, dou a cada um de vocês uma missão:
Os três ficaram bem atentos.
– Quero que me tragam alguma coisa que encha todo esse quarto ou que me faça feliz. Vocês têm até o final do dia para me trazer o que julgarem perfeito. Peguem cada um três moedas dentro do baú.
Logo os três, com as moedas no bolso, pediram a bênção e saíram em busca de um objeto mágico que pudesse encher todo o quarto ou ainda fazer o velho feliz.
O mais velho correu para a cidade e entrou numa venda atrás de algum objeto de valor.
O filho do meio correu para uma aldeia vizinha atrás de algo que surpreendesse o velho.
O mais novo, sem muita experiência, percorreu muitas e muitas aldeias, mas sempre descartando tudo que encontrava pela frente.
O mais velho, sem gastar muito tempo, achou que o pai estava ficando sem juízo. Então, gastou o dinheiro que trouxe e, na volta, encheu vários sacos de capim. E pensou: isso vai encher todo o quarto.
O filho do meio pensou a mesma coisa. O pai devia estar gagá. Podia trazer qualquer coisa, que ele nem enxergaria mais. Gastou também o dinheiro e, na volta, encheu vários sacos de folhas de árvore.
O filho mais novo andou, andou por várias aldeias, consultando os mais velhos, para saber o que levar para o seu pai, que já estava à beira da morte. Já quase de noite, com receio de que nada fosse encontrar para encher o quarto do pai ou fazê-lo feliz, encontrou um homem que estava lendo um livro na porta de uma casinha. Parou e perguntou ao senhor, que levantou a vista para ver quem era o visitante.
– Meu senhor, estou vindo de muito longe para encontrar alguma coisa que faça o meu pai feliz.
– Vamos sentar. E me conte o que deseja realmente.
O jovem contou ao homem toda a história até a chegada àquele lugar.
Em seguida, o mestre deu ao rapaz um objeto dentro de uma caixa de madeira e disse:
– Leve esse objeto para o seu pai. Além de encher o quarto inteiro, certamente o fará feliz.
Ao chegar em casa, já tarde, os irmãos nem mais o aguardavam, certos de que algum animal o havia matado.
Então o pai os chamou e pediu que cada um mostrasse o que havia trazido.
O filho mais velho abriu os sacos e espalhou capim no quarto, mas não conseguiu encher o aposento.
O filho do meio fez a mesma coisa com os seus sacos, abrindo as folhas, mas não conseguiu encher o espaço.
Foi a vez do filho mais novo. Este, humildemente, sentou na cabeceira da cama e entregou a sua caixinha ao pai, além das três moedas que havia levado.
O velho indagou o que era.
Então o filho abriu a caixa e tirou de dentro um livro.
Os outros filhos riram da ingenuidade do mais novo.
– Se o que nós trouxemos não conseguiu encher o quarto, que dirá esse pequeno livro. Esse mesmo que nada fará.
E riram à solta.
O pai, depois de abrir o livro, pediu ao filho:
– Você é o único que aprendeu a ler. Então me diz o que tem nesse livro.
O filho mais novo abriu o livro e começou a ler. Era um livro de histórias de homens e mulheres valentes. Cada história fazia o velho imaginar. Eram narrativas de lutas, viagens, fortunas, mulheres guerreiras, etc. Cada palavra lida enchia os quatro cantos do quarto. Dentro dele, os três ouvintes não interrompiam a leitura, não indagavam nada, apenas mergulhavam nas histórias.
No dia seguinte, pela manhã, chamou os três filhos e revelou a sua decisão. Daria a sua casa e as terras ao filho mais novo.
Mas o filho mais novo pediu licença ao pai e disse:
– Meu pai, eu sei que a sua palavra tem que ser obedecida, mas eu queria fazer um pedido.
– Pois faça meu filho.
– As nossas terras são pequenas, mas podemos dividir em três partes. Essa casa já está velha, então podemos fazer três, uma para cada filho seu. E assim podemos viver juntos, um ajudando os outros.
O pai pensou e concordou com o filho, apenas perguntando:
– Tá certo, filho. Mas você acha que os outros fariam isso por você?
Os mais velhos baixaram a cabeça, com vergonha. Certamente não fariam isso nunca.
– Eu acho que não, mas eu farei isso por eles.
E assim, depois de algumas noites, o velho se despediu da vida, sendo sepultado no cemitério da aldeia.
Os três irmãos, sob a liderança do mais novo, tentaram então, com muito trabalho e muitas dificuldades, viver em sociedade.
FIM